Na época da técnica (...) de banimento do imanifesto – a arte tende ao desaparecimento. A grande arte fundadora já ficou enterrada. A palavra do poeta não é sequer audível. Ele é apenas uma extravagância, uma esquisitice, e a arte dá lugar à ante-arte, à multidão de artistas, de libélulas esvoaçantes com suas sacadas vivenciais e estéticas. Mero suspiro de libélulas aprisionadas extravasando emoções e fazendo designs. E serelepes que se pensam livres, que não se sabem mera simulação e repetição do mesmo. Meros funcionários da produção e da indústria cultural. No caso da palavra literária, do meio literário, eles são tão objetivados e formatados quanto a palavra do médico, a palavra do bispo, do cientista e do juiz. Pura mesmidade enaltecida como produção artística. A palavra cultivada, a palavra competente, prêmios, festivais e escritores numerosos simulando a existência de um dizer literário que cada vez mais se ausenta e se distancia de uma palavra real. Nas antípodas do produzir incansável das libélulas literárias, encontra-se a palavra-gesto de Antonin Artaud: ‘Quando se escava o cocô do ser e da sua linguagem, é preciso que o poema cheire mal (...) permanecer no ser uterino do sofrimento onde todo grande poeta já mergulhou para, uma vez saído para fora, continuar fedendo!’. Impossível melhor compreensão acerca da arte e do combate entre mundo e terra do que esta. Como vemos com Artaud, a arte pode estar acabada, mas não acabou. Ela emerge sempre que a dor de andar pelo mundo morto nos atiça a saudade do originário. Em maio eu caminhei por uma praia do Rio de Janeiro. Estava horrorizado pelo modo como o homem se apossou da praia como um cenário e uma área de lazer destinada a sua subjetividade e a sua vontade. Pessoas correndo com tênis luminosos, bronzeadores, jogos e eventos. A parte dos pobres, a parte dos gays, a parte dos velhos. Tudo sendo usado e consumido num deleite estético carcomido. Tablados com ginástica e música altíssima. Ninguém para saudar, honrar, guardar a praia e o mar. O mar serve ao homem, mas o homem também serve ao mar, recolhendo-o e amando-o na palavra poética. Para concluir, digo que é necessário sustentar a dor do mundo, passar do estágio passivo kafkiano para o estágio ativo de denúncia. Tentar deslocar o homem que ainda está fixado como subjetividade e vontade. Lembrá-lo do arrebatamento. É isso o caminho de migração, do voltar para casa. Nascemos no paraíso, nascemos para guardar o paraíso. De volta ao lugar já não há questão de obra de arte, porque tudo, cada gesto ou palavra, desde o lavar uma xícara ou o cumprimentar um amigo, tudo é obra de arte e celebração contínua. E se o salmão sobe o rio, eu digo: o salmão sobe o rio, pois é na intensidade do brilho, na incandescência, que moramos.”
J.P. da fronteira.
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