quinta-feira, 19 de março de 2015


Devaneio 27.02.2015
Pedro traz seu desenho, uma casa com ampulhetas carimbadas voando no céu como que caindo. Ele está deitado dentro dormindo na cama. Fui lançado para a sua cidade – uma estadia onde a escrita e a fala não servem como aqui. É uma outra construção, outra organização.Tudo era através do amor, e as crianças eram as indicadoras dos devenires e tudo jorrava dali.
Bala de uva. Chupei essa imagem que me cosumiu na ânsia de pausar o pensamento, exercitando o meu corpo – incluo a mente – para tal advento. Toda vez que penso a razão me toma e me tira da divinação e da imaginação pura. Uma natação, ou qualquer outro exercício onde se saia exausto, porém mais flexível, sirva para preparar este copo que estrala e se recolhe do salto. A fala nova é o único meio para colher nesta árvore frutífera, mas não no sentido. Busco e encontro o jeito novo, aceito a luta(cantos de Davi).
- a razão cessa as imagens.
-as imagens foram podadas. Nesse encurtamento foram reduzindo-se ao caráter de sensação – vento que passa e o que se sente não é mais o vento, sim o vento que passou. Trago o que ficou do vento.

Amigo Salatiel,
me lembro do fundo da sala de aula onde éramos sozinhos – numa pátria estranha, um estrangeiro só se sente conterrâneo na presença de ouro estrangeiro.
Me lembro de mentirmos um para o outro nas licenças da amizade, filosofando e rindo em alto e bom som. Fui arremessado a ti depois de um desconsolo. 
Em orações, como faço agora, peço coragem para ser mais e confiar na via da vida ecolar-me caminhante no caminho. Como sempre, no caminho mais tortuoso – aquele que diz e se desdiz, se anuncia em silêncio e tem um rosto- sempre- depois -, porém digno e grande por não ser uma escolha e sim uma captura ( dizer aqui é um simulacro, pois está no depois e, mesmo sendo, está depois – dizer aqui é esticar a impossibilidade de dizer na impossibilidade de não dizer: forja - rosto) de difícil fuga. Pela tangente visualizo todos os desdobramentos de um olhar que parece clivado, mas não é: ao invés de um diamante, um círculo.
Guardei as orações dentro do livro grande, de bordas douradas e folhas finas e opacas. Desde ontem venho fazendo isso, vide aquela que mostra o caminho. Caí em Ageu, onde o profeta discursa para encorajar os habitantes a reconstruírem o  templo. O quarto está sob a proteção de Zorobabel e foi aí, que o seu nome saltou como sendo o nome do pai daquele que concebe a proteção na voz do salvador.
Do que me sinto protegido em dobro, pois estive ao seu lado e juntos sobrevivemos aos perigos. Sinto-me guardado como um selo resguardado guardado no mistério antes da palavra que corre o risco de dizer, assassinando e podando com a masculinidade opressora.
Só vejo a saúde em tudo amigo, como naquele nosso tempo.
Espero que esta carta lhe encontre bem, assim como estou a permanecer no malabarismo entre o bom e o certo – trabalho no que tenho.
Um pouco disso lhe desejo,
Seu, B.P.



Às esculturas com miolo de pão

Estou tomando café com Clarice e Pedro. É daqui que lhes escrevo sondando as imaginações de quando compunha suas formas junto de meu avô. Imagino se já devaneava sobre a escultura social e sobre as molduras de um corpo mutável. Sinto que ali, enquanto malaxava, tive minhas primeiras noções esculturais: fazíamos formas ao nosso bel prazer, juntando-as sobre a toalha manchada, entre as xícaras vazias, cascas e farelos de pão, na mesa iluminada pela manhã solar do domingo – muitas arrastaram-se assim, desdobrando-se sob esta luz adentrada.

Meu avô chega bem perto e, com gracejos ao pé de meu ouvido, me pergunta o nome das formas que se criavam, uma a uma. Nessas noções primitivas de plasticidade, visitei a possibilidade da alternância, nomeação e icônicidade. As massas se acinzentando na gordura de nossos dedos e nessa alethéia, aquilo que perpassava a manhã era moldado e nisso éramos também moldados numa apreensão da possibilidade de alterar as coisas - desdobramento no retirar da mesa sob o cheiro da borra, alimento comido, resto, desvelo e esquecimento.

Agora devo me despedir, pois Clarice está na mesa me olhando; sou chamado a transmitir esse tesouro, um de nossos maiores amuletos ancestrais.

Sigo daqui, em vocês mais do que nunca.
Muito obrigado, do sempre seu, B.P.


e vem para diante
o rosto jamais se antecipa
mas presente tem um sendo
dádivas e oferendas são e animais e plantas são

 um velado destino vazio de palavras
...
Para além mais rente perpassa
e acontece uma outra coisa que mal se conhece
 musgo recolhido pelo calcário

mãe vela criança

três palavras para o que se presentifica

...
Aquilo que acompanha no estranho da presença
sob o corpo retraído que mesmo sem pernas sustenta o rasgo
o céu e o caroço do céu que se recusa

esse apenas é assalta

...
O gato esgueira ajeita o lugar e se deita
obscurecendo-se num borramento
perde-se um e outro

um acontecimento foi erigido no aberto do meio

...

Na agudeza do equívoco e na via onde o constante perpassa
ergue-se uma casa


A casa cheia de terra e a imunidade
de frente não tremi e defendi a casa 
como quem defende o corpo
a terra indo embora com a chuva

no último trago da acolhida
a mãe vem cuidar de nós

 equalizamos dançando nas poças de lama




corpo para receber o santo
uma criança para viver o osso
uma árvore frutífera mas não no sentido
e tudo é uma estadia

lugar é como falar sem ter experimentado
depois da angústia vem o encaixe

circular
sem virulência estaria morto

T E R R A


Olho a mulher invertendo o ponto de entrada



superando o mandamento
conjugando entro antes

do nó que aperta a base


meu corpo é vertical e faz o horizonte segui-lo
assim como todos os poemas
porta de casa aberta
luz nos cantos

nisso me alimento e pago o aluguel
inquilino do universo
criança que frui tranquila pelas cidades
revezando o lugar das dores
escrevendo a terra de cada encontro
o osso de cada corpo
vendo na opacidade de cada rosto
as inexoráveis reservas da vida

Esfera gráfica do rosto