quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Salto da arte de acolhida para uma real cosmicidade




Essa empreitada não trata de representações oníricas e nem de substâncias que se revelam no brilho. Opacidade, musgo e terra, são palavras que correspondem mais a este trabalho de recolher a realidade para dentro dos devaneios, transmutando-a nessa cobertura, para depois estendê-la novamente, renovada e flexível, aberta a alternâncias e conjugações – forças aéreas e terríveis como a água parada de um lago que, preso na terra, reflete o céu. As nuvens caminham dentro do lago, como o lago anda com as nuvens. È por isso que nesse lago de água parda, não é a beleza o seu elemento. Fora o seu reflexo, pouco brilho existe no verde - musgo de sua água velha, enlameada, onde poucos ousariam mergulhar.  Nessa água, é a velhice que reina oposta a eterna juventude, uma velhice que é renovadora por se tratar de uma água medicinal, medicinal por se tratar de uma água velha , e velha por nela se dar a impressão de que ela sempre esteve ali. Aqui, não são as belas aparências do mundo interpretável dos sonhos - que seguem o encalço do mundo desperto, positivo e cognoscível - que reinam, a elevação da verdade e a perfeição, são estados distintos dessa agência. Nela, não se acessa um deus artístico e lacunarmente diurno, pois em sua essência, lhe faltam limites – a aparência ilude, engana e, sem delimitações, não ensina nada por somente esbarrar agitações selvagens, contradizendo a sabedoria calma do artista. É impossível ser solar e calmo, ao mesmo tempo que colérico e arredio, por isso, é a tentativa de permanecer nessa conjugação que gera uma embriaguez arrebatadora e repousante ao mesmo tempo. É essa embriaguez incondicional que nos faz tocar o homem natural e ingênuo, até o esquecimento de si, que é oposto à consagração da beleza. Esse rompimento com o cordão umbilical “consigo”, é o que faz desaparecer inteiramente o princípio de individuação, e com isso, a subjetividade se desfaz diante de um impulso geral, natural e universal. É nessa reconciliação com o sempre oculto da natureza, nos fazendo evidenciar uma pareia e beber de seus dons mais terríveis (tratamos aqui de terra), que conseguimos ir além de nossa ligação com os homens-imagens com seus desejos, tarefas, prazeres e dramas. Nesse ir além, todas as delimitações, junto com o arbítrio, desaparecem diante do hálito da fenda ancestral e anterior aos acordos. É o manter-se farejando esse hálito, que embriaga e faz espocar  as imagens que sugerem a laboração desta cosmicidade.

Conceber e adentrar o âmbito disso que brota, exige o desprendimento das educações e, principalmente de dogmas que já dizem, cercados por todos os lados com palavras, sobre o natural e a natureza - como se desaprendêssemos a andar e falar. Só assim, encantado, ingênuo, borrado e simples, é possível – a partir de si, e não de falas externas, fazendo viver em si mesmo o que é sugerido somente em potência imaginativa - acolher essa harmonia de mundos e sentir algo diverso que soa sobrenatural. É por isso que não é possível falar em arte, nem de poder artístico – nem mesmo na voz de um artista -, pois é a natureza sem nome que se apresenta opaca e o caminhar se torna tão extasiado que tudo é obra de arte, deixando de se fazer necessária.
Nessa correspondência cósmica, os corpos são trabalhados – verificados, recortados, ajuntados, diagramados, justapostos -, tratando-se de colagens, pinturas e esculturas que rediagramam a vida num constante reposicionamento, nos deixando para a natureza, como a tinta é para o pintor.


Os devaneios são naturais e, se os devaneios são o jogo da natureza com o homem, os trabalhos que se dão numa cosmicidade, são frutos do jogo do homem com seus devaneios. Por isso é necessário, o tempo todo, recuar e ausentar a voz do homem que fala, pois este estado, se não experimentado em si próprio – e consecutivamente por si próprio -, não passará de uma alegoria. Só se pode ser semelhante e comungar dessa conjugação, quando se devaneia o devaneio como devaneio. Pois é assim que cada um se sabe, prescindindo ao seu modo, podendo o barco partir de qualquer porto. É assim que se pode ser servidor do devaneio. 





Nenhum comentário:

Postar um comentário