segunda-feira, 5 de dezembro de 2016


Fim de ciclo, sucateamento e a impossibilidade de uma paridade.

Sexta feira, dia dois de dezembro de 2016, encerrou-se mais um ciclo. A vida me desligou do programa Fábrica de Cultura que é uma empreitada do governo mundial para aculturar povos, conduzir a sensibilidade de todas as pessoas e evitar qualquer tipo de sublevação que impeça o plano de globalização. Nele, o que chamam de profissionalização artístico-cultural, não passa na verdade de uma inclusão quase que forçada numa espécie de palácio de cristal que, sob a face de vários nomes como mundo, cristianismo, mercado, capitalismo, socialismo, patriarcado, ou simplesmente arte, nos vendem a dominação camuflada de segurança, saúde, educação e conforto. Este projeto vem sendo implantado há séculos e hoje chegou a uma fase de sustentação ontológica ao quais seus aparelhos não precisam mais existir. Daí vem os sucateamentos dos espaços de educação e cultura (formas onde o ser é moldado que se tornaram supérfluas) e as sanções nas áreas da saúde e abastecimento. Logo, a demissão em massa de educadores que não condizem com esta ideologia de dominação do ser se torna natural. Por isso é impossível esconder certo repúdio a tudo que compactua com esta tesoura estrábica que vem aumentando os impedimentos investindo, entre outras sandices, mais em limpeza e vigilância - via empresas terceirizadas -, do que numa relação pedagógica que realmente valha. Parece-nos que tudo funciona para impedir uma revisão do que nos é caro como cultura, educação e saneamento básico. Continuam nos impedindo de rever o modo como comemos e cuidamos de nossos dejetos, até como nos relacionamos e formatamos os espaços onde vivemos. Este é o funcionamento que silencia a pergunta que cada vez mais ecoa em nossas flutuações cotidianas: como ainda suportamos, por que ainda compactuamos com coisas que há tempos nos distanciam daquilo que somos?

 Na impossibilidade de fazer parte deste planejamento sinistro, sempre tentei deixar que as experiências dentro do ateliê (onde durante um ano foram dedicadas sessenta e oito horas mensais) se deliberassem por si. O “recuo do educador”, imprescindível para abandonar as propostas já estipuladas pelo projeto-pensado-sinistro, foi o eixo central para o "deixar surgir". Visando sempre o estar junto, com o mínimo de intervenções, o inato ao grupo pôde começar a surgir frente aos encontros e o espaço. Daí, e somente daí é que poderíamos fazer um pacto ético não mais com o projeto-pensado e sim com as vibrações, expectativas, desejos, tensões e alternativas criadas pelo encontro. A partir disso, estivemos aptos a observar e apreender como criamos movimentos individuais e coletivos de permanência no bom da vida que é cada vez mais somente estar livre de pilhagens que impedem o seu curso com satisfação e sossego.  Num constante exercitar da escuta pôde-se criar uma "linha do futuro" com as expectativas que cada um de nós trazíamos. Aqui aparece a primeira discordância com o projeto-pensado, onde visitamos não mais sonhos ora individuais e ora coletivos, mas sim uma subjetividade onde todos ficam de certa medida, entrelaçados uns às movenças dos outros. Vale dizer que, para isso, foi importante nos desfazer do excesso de coletividade que permeia o programa.

De tudo que vivemos o que sinto ser mais importante e que vale ser partilhado, é que todos os encontros incorporaram o descanso às tarefas. Nisso, as atividades verdadeiras nasciam quando saiam do roteiro (linha do futuro que criamos em conjunto após verificarmos os motivos que se entrelaçavam) concebido pelos participantes. Eram nos momentos de distensão, em que ficávamos ao "para nada", que surgiam percursos e atividades que nos faziam respirar. Estas curvas respiratórias nos lançavam ao cerne da criatividade. Estes encontros surgiam quando o grupo abandonava as tarefas, alegando desanimo ou cansaço que, ao invés de serem reprimidos, eram acolhidos como sentimentos nobres. Ao acolher estes hóspedes, aos quais a “sociedade do desempenho” vem rejeitando, éramos lançados a capacidades especiais de transfiguração da realidade. A isso vale se juntar aos chamados sobre Crelazer (Helio Oiticica) e Pedagogia Devaneante(Gaston Bachelard) onde nos é sugerido uma “melancolia ligante”, o cansaço criador gerador do repouso onde uma ira necessária para as grandes criações transformadoras pode ganhar espaço.  
Mas ainda nos aceitamos obrigados, nós mães, pais e educador(ae)s a conviver com instituições educacionais que não suportam sentimentos humanos como a ira, o cansaço, o devaneio, assim como o descanso, criação e a transformação. Frente a encontros onde tudo é dispositivo para a emancipação (jovens e crianças tomadas pelas pulsões criadoras/transformadoras da arte) as instituições preferem recuar, zelando mais pelo espaço e pelo acordo imposto - alegando ainda que é para a nossa segurança e para o bem estar de nossos filhos -, do que pelos participantes e propostas que surgem a partir dos encontros. Ou seja, falta muito para conseguirmos bancar as crianças em estado de arte e a arte em estado de criança.

Apesar de, é preciso amar. Por isso só tenho a agradecer a vida por, sempre que preciso, pedalar as eras. Agradeço a todos que conheci nesta caminhada e que levo comigo aqui agora. Estamos juntos e, por mais que ainda permanecemos suportando esta vida-farsa de escravos econômicos num regime democrático de aparências, pouco a pouco somos incondicionalmente arrastados para lugares sem arranjos humanos, sem preparo e sem domínio, onde a única medida ainda é a amizade e a vibração do surgimento. 

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

domingo, 16 de outubro de 2016

C.A.I.





mapoteca tímica




a causa das mentiras é o vazio
o grafite é a escrita em estado de grito
o esticamento da língua, corpo em risco
 quando os ouvidos passam a ver

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

escrita e Risco - capão redondo



Se a alma nasceu alada -
cabanas ou palácios, não são nada!
Gengis khan, a Horda - o que são, no fundo?
Meus, há dois inimigos no mundo,
dois gêmeos - indissoluvelmente amarrados:
a saciedade dos satisfeitos - e a fome dos esfomeados!


Marina Tsvetáieva


terça-feira, 27 de setembro de 2016

Mapoteca tímica



mapoteca do atraso - proteção

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

caminhando ao fim da tarde numa ventada a sola do tênis começou a grudar no chão. nelas ficaram fixados todos os resíduos do caminho, abjetos de um de meus primeiros percursos.através dele foi desenhado uma linha, minha, confesso que não é possível saber. sei que passo ali naquela calçada, ainda de terra à mostra, deis de quando posso tentar dizer que percebo. vale o risco.  

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

a saga de writer na radio hikai
http://dadaradio.net/radio-haikai-4-whitefield-brothers-a-saga-de-writer/
crianças vieram benzer-me com batatas mornas e água fresca: olhos boca nuca e braços, poema no veio da pele. ao fim lavaram os pés enquanto o sol ardia no interior dos acontecimentos.
eis o espelho de sempre,  eis a possibilidade do rosto.



domingo, 28 de agosto de 2016

pouquíssimas coisas são feitas sozinhas, os excrementos no canto da casa, resíduos onde não há consciência e só as pontas dos dedos  conseguem tocar. estas rugosidades às fazem voltar a entornar-se: trata-se de umidade, dez vales de uma alegria, trinta dúzias de ovos empilhadas umas sobre as outras. o tom de onde moramos passa a reviver a terra, orgônio, gatos cegos saltando a janela rodopiando como neurônios frente o imprevisto, onde a atenção só consegue ser uma entoada baixinha e para si.
se isso chama realidade - honrar esta dança - a isso chamamos fertilidade.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

bons ventos passam por uma neve fina
 susto em curso através da palavra
 sanha oposta ao lenho
 partindo os ombros, sempre em partes
 envergando-os para a terra onde só nós olhamos
 a sanga na curva do curvar-se
e sob o que é terrível nos comunicamos

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Lá onde é preferível ser um zero
a recosturar o que se exprime ao expremedor 
saltado no que tudo expele
o oferecer é uma fonte
a quente imprecisão desembocada  



Um relato de lucidez

Aqui é o lugar onde o tempo parou.                                                                                                      Na verdade ele, o tempo, não parou, nós é que paramos para com ele. Foi a iniciativa mais sóbria da cidade. Por isso lhe servimos esta cachaça e lhe falamos sobre a neve em pleno calor dos trópicos: o sertão mais ereto dos arredores é corcunda de nascença.  Tudo em volta envelhece lentamente por conta do ar bege avermelhado encaixando-se como um acontecimento que deixou de ser só mera realidade. São estas tonalizações que elevam as coisas ao nível de ser . Talvez seja através desta saturação que abrimos o nosso dia-a-dia ao grau de um instante só: ele se amplia e o seu âmbito se faz incessante, simultâneo e partilhável. A isso chamamos de intensidade essencial para acordar e conseguir sair da cama. O devaneio é uma clareira de ser. Ele é a possibilidade nas frestas dos acordos aos quais já nos cansamos o bastante. Por isso descansamos até de ser e nos deslocamos das ansiedades desta sociedade que, com seus acordos, fritam nossos neurônios.   Este é o apagamento da frase “quem não trabalha não come” que foi tatuada no interior de nossas pálpebras.  Apesar de nossos dentes estarem amarelados, conseguimos preservar as nossas glândulas de cristal dentro. E este é o talo: somente as luzes de nossos fosfenos ditarão onde seguiremos ou as regras de como permaneceremos. Dentro de uma sala todos pareciam estar dormindo, menos o lango de mordida torta. Este núcleo está por toda parte e pode ser acessado de qualquer lugar sendo que, na verdade, é este núcleo que nos acessa e não o contrário. Trata-se de um estado em que as crianças brincam soltas na rua e os mais astutos pisam nele cotidianamente.

Aórgicos