quinta-feira, 30 de julho de 2015








A mãe canta entre os desenhos antigos
a casa é a moradia dos rueiros
o sol e a lua estão na mesma régua
e não se pode lembrar de tudo

se a criança é vista no cerne de todas as ações
varre-se a casa na gratidão ancestral
na condição inaudita dos lenços bordados e da poeira sobre todas as coisas

 nada irá resolver esta transexualidade ontológica
e nesta antecedência perpétua
 cantar junto a isso é o que te dará tino 
Sondo a influência destes desenhos em meu destino/realidade no agora

O mundo que eu habitava enquanto fazia aqueles desenhos nas mesas de casa e da escola, compulsivamente, quando era menino

a energia devaneante(água+fogo=vapor) é responsável por atrair a matéria que me cerca no agora?

Hoje trabalho nas encostas ocupadas, são encostas com casas como aquelas que eu desenhava, por mais que eu tente desistir, sou levado a trabalhar em lugares como Suzano, Perus, Brasilândia, Jd São Luis, Cachoeirinha, Jova Rural e Morro da Providência, entre outros, que remontam aquela paisagem íntima que eu era, incondicionalmente, obrigado a exteriorizar. Vou dar oficinas, propor vivências, falar sobre arte, comunicar meus prazeres e partilhar meu chamado.

Sempre me admirei com as construções irregulares nas encostas, e durante um período de minha vida, eu quis morar ali. Cercado por essas aparições, desenhar talvez fosse a forma que encontrei, quando criança, de dar conta desses espantos.

 Toco o sujeito puro que fui, aquele que desenhava, antes de saber da palavra desenho (que vem de desígnio, do latim designare que quer dizer “decifrar as estrelas”), mais perto do Ser que agora. Toco este centro energético de múltiplas irradiações, este ser puro que estava mais perto do Ser. Estou numa matéria abissal hesitando entre o ser e o não ser.

Aqui sou o limite de minhas ilusões perdidas.

(Ver o documentário sobre Max Ernest – a partir de 01:02:23 – onde ele relata espantado ao ver as encostas do deserto americano, chegando a cogitar a possibilidade de ter premeditado/profetizado aquilo, valendo-se dos acasos objetivos cunhado por Breton. Vale lembrar que ele não foi para a América por escolha própria, e sim refugiado da guerra, a questão de vida ou morte eram limítrofes. E ele construiu uma casa naquele presságio-encosta)


Certo disso ou não, habitar se isso faz sentido, pouco importa, pois sempre morei rente à encostas habitadas e pouco consegui sair disso.






Em todo caso, estas são imagens que devem ser honradas.
Um bruxo cansado vendo as praias mais belas e distantes passarem
 cozinhando em água rala e dizendo para si que esse sal todo é a bola de cristal do mundo
lua e maré sinônimam  e somente o ser para si mesmo pode fazer-se nisso
seus temperos rasgam: folhas, ervas e cascas a fio
assim como seus versos

 as mariposas voam baixo e esse é o fogo que cozinha 

Eudemonologia para o agora

...na vida, na casa e no trabalho...
Schopenhauer


Não imponho meus sentimentos e desejos aos outros.
É visto que não posso dizer ao outro (e se posso, posso quase nada) “fique feliz, não fique triste”, sendo que isso seria dito por ele mesmo, e só por ele, para ele mesmo. No máximo acolho o sentimento do outro com um abraço e um silêncio profundo, fazendo a voz que lhe tiraria de tal estado sentimental, ecoar do fundo se sua pulsão anímica.

A felicidade ou simplesmente a animação não são coisas fáceis – podem ser simples, mas nunca fáceis -, sendo muito difícil encontrá-la em mim, porém bem mais difícil encontrar em um lugar distante. Talvez as pessoas próximas, aquelas que amo como amigos e familiares sejam os únicos que podem alavancar esta pulsão que anima e me livra de não conseguir cambiar os sentimentos.

É claro que as pessoas em que confio podem gerar esta alternância fazendo ecoar a voz que move, mas sinto que é somente quando ela ecoa das profundezas íntimas, é que posso de fato levantar a ancora e partir para outra.

É interna, porém construída com o entorno (tudo que podemos colocar para dentro e transformar em aliados), aquela fantasia poderosa que é capaz de transformar uma ocorrência cotidiana em algo grande e belo. Mas parece que, somente quando falo por mim (fala de si) é que sou capaz de manifestar-se em ajuda – “aquele que se expressa e se manifesta, traz ajuda a si próprio”.

Sinto que somente depois de um pedido de ajuda, manifesto ou expresso (aqui, a leitura e interpretação do gesto e a leitura do rosto já são totalizantes: invasão e sequestro do outro), é que a ajuda pode ser oferecida. Somente o ser para si mesmo pode fazer-se e refazer-se, a cada instante, a forma que lhe oferece.


domingo, 12 de julho de 2015

para vestir-se: imagem totem

Ser de sensação que conserva em si as horas de um dia e os graus de um momento.
De frente a esta paisagem, que é anterior a todos os homens – a ausência do homem é vista.
Nessa ausência, que é uma antecedência, integro-me na paisagem: o olho arregalado é um scanner antropofágico.
É precisamente nesse devir não humano (anterior ao homem), de frente a essa paisagem não humana da natureza, que se torna possível ver que, se há um minuto do mundo que passa, posso me transformar nele.

Nessa certeza de que não estou no mundo, mas sim me tornando com o mundo, a partir desta contemplação( que não contempla, mas digere e se anima com  o que é digerido) que é uma interiorização, me torno universo, animal, vegetal, molécula e tudo é visão, devir constante e incondicional. Pois daqui, de frente para esta paisagem tão companheira e engolida, nenhum infortúnio me alcança. Nesta imunidade tão benfazeja, sinto os tabus se transformarem em totens aliados.

Manta cobertor paraíba


fenda auricular: tonalizações para uma ritmanálise

https://soundcloud.com/tonalizacoes

Devaneio

Devaneio

É jogado no Google (oráculo citadino): Brasília vermelha 3.000 reais. Ela é comprada e atrás dela é fixado o adesivo da pesquisa em branco fino, duro e transparente. Anda-se de boa na avenida, cruza a ponte da divisa do jaçanã com a Vila Galvão. Volante grande e preto e quente e igualmente os bancos de couro. Dirijo de boné.

- devaneio visual, trampolinado por uma foto;

- veio de outra lembrança(placa de faz-se), percepção que desembocou sucessivamente nas imaginações deste devaneio;

- sucessões de imagens que se encavalaram uma nas outras.




https://soundcloud.com/tonalizacoes/devaneio-anima-de-fundo

https://www.facebook.com/tonalizacoes?ref=hl

Para quando a paz faltava,


com raiva após ser agredido, promessas foram feitas. Se deve honrar essas lembranças – em algum lugar ela habita no in da intimidade, feita a sós, pronunciada pela boca de sempre. Para o menino que gaguejava, para o menino emburrado depois de uns tapas, ela é um signo que, enquanto é inscrito – doce asfalto sob um vento seco e pardo – se torna um amuleto-insígnia que irá pairar como um selo na fronte de toda lembrança. De chofre, o juramento que o menino fez para si e que o adulto esquecido negou, tem de ser interiorizado e remontado afim de um cumprimento: salto do corpo-engrenagem para as ondulações plenas de vida e poética, reza-mantra no antes que devaneia. O menino-monstro é em si a possibilidade de paralisar este martelo, colando etiquetas nas portas de aço com as palavras manutenção e reparo – lê-se advento. Se a um resquício tetânico, não é só pelos atingidos, mas também pelo menino que se fez promessa e vem sendo desonrado. Caminhamos em paz nos devaneios libertos. Todas as promessas serão tocadas e todos os acordos de um núcleo permanente serão reavivados. 


Nisso sigo grato e me despeço. Até nunca mais, B. Pastore.


receituário: mantra acerca de V W

Saturo cada átomo!!!
eliminei tudo que é resto e superfluidade.
incluo nos momentos o absurdo, os fatos tonalizados, o sórdido, mas tratados em transparência.
C O L O C O tudo S A T U R A D O!
atingi a fonte sagrada, vejo vida no vivente e o vivente no vivido: vivo na via da vida!
Fôlego que me faz vi(ver) através do vivido saudável: vivão!
sou índio: não há arte, somente curativos medicinais.
Parido de uma casa vermelha
as rachaduras do quintal até o portão fazem encostar a nuca nas costas
e o mundo se abre, ele é um apetite no interior da mandíbula
O ipê roxo estava lá entapetando a calçada desde dentro e em cada pedra
- encaixadas uma a uma - o cachorro passa batido arremessado na paisagem que por ele passa: a sua indiferença nos ama como se nada mais se atrevesse a atravessar
Mas não,
uma árvore nodal com uma casa de cartas no meio, os entulhos e as trepadeiras e os grafites grudados feito liquens no muro mugrento
bastam para tudo voltar a ser rente e o coração anunciar a criança que fomos
- anunciação abismal e o olho arregalado de um menino frente a zona mercúrio do entre –
o organismo de um chamado é partilhado aos entes
na frieza de um ponto que espera sem deixar de conter o córrego da palavra córrego no que é verdadeiramente córrego
no asfalto que jamais se queixa – curva no aberto -
tomado pelos esquemas que liberam o corpo da suspeita de si
- nisso uma árvore é tombada no mais aberto ainda –
o céu é prateado de uma voz que funda a medida desse ventre que nos acompanha
é impossível dormir com esse centro na cabeça
é impossível dobrar esta antena
talvez seja ela a lentidão dessa curva que anuncia o fim do trecho
um perímetro excedido à beira rio
a infinição desses nascimentos cobrem o olho – mechas-imagens da infância –
como se ventasse uma bandeira, mas instalado na eira ligante que se agita em sua cor
As atrações ventrais beiram as tonalizações que se cruzam na presença arregalada e colada naquilo que é transitado e transita: tudo diz frequenta-me
e se o horizonte é marginal, não se sabe quem mudou a direção dos ventos
e ao contrário, os graus entre as nuvens ainda tomam aquela mesma sopa
e devem ser honrados até essa voz rouca socar as costas novamente
Rostoutrem: basta o calor humano de um pico e o contra fluxo das rachaduras das faces se abrindo entradas nelas mesmas e todos os assuntos penderem-se atravessados
e deve ser isso andar na linha