quarta-feira, 15 de abril de 2015

toda paisagem




Apoiada no batente de pedra lisa, onde se apoiavam os alimentos e Dionísio punha o cotovelo direito, ouvindo o rádio, soltando a fumaça de um cigarro no ar, ela apoia os braços e, com a língua pra fora, pressionando as palmas das mãos contra a testa,  se pergunta sobre o inconveniente de estar viva.
A casa em si é visível, ruída, e ela grudada nela se massacra pelas coisas que não podem ser resolvidas – sob a carência e a sensação da falta de cuidado, crescem as deficiências na captação do ar entorno, as dores insuportáveis nos pés e a convivência com uma bola de sebo entre o peito e a boca do estômago .

Talvez por não aceitar sua condição corpórea, ou por não executar a conversa, a medida que ela arquiteta a sua desmaterialização  e passa a não dar conta do ritmo metálico do tempo que foi introduzido no interior de suas pálpebras, sob o sigo da frase “quem não trabalha não come”, ela sofre e desdenha seu presente, negando-o e entristecendo.

La vecchiaia è brutale, foi a frase dita durante todos os momentos em que visitava o congelamento da vida, enquanto ela sondava os silêncios em seus cadernos inacessíveis.  Varri a casa como se a massageasse, lavei as louças em devaneios e ali vi a quantidade das poucas intervenções que posso fazer. Acolher, tocar um ponto de luz e ao cair da noite abrir o seu peito com as mãos a fim de ouvir. É como se tocasse a questão toda. Essas manchas no seu corpo, seus suspiros e gemidos ecoam no horizonte infinito que crepita. Essas durações são os breviários de uma decomposição.

De frente não êxito em atender o chamado.

Agora ela senta na mesa e nesse esbranquiçamento ela canta com sua camisa florida, definhando menos, na mesma substância do ar que vai isento de tempo e de morte.

Nisso, o estar- aí- no- mundo foi remanejado.

Parece que depois de seu retorno à substância, à hiper-presença, tudo ficou melhor. Dizem que ela está se recuperando do choque deste retorno e, carregada pelos braços, tocou a mão da filha dizendo que tudo está bem. A casa parece vazia, mas a limpeza sonora desse vazio que range, diz que tudo está mesmo bem.

Sinto-me presente e atencioso com tudo. Sentiram o engrossamento da voz, a fala está mais grave, firme e precisa. Amadurecer foi inevitável, pois, uma coroa de flores honrando a lembrança, ter colocado o seu colar na moleza gelada de seu corpo, exigiu muito de nós. Assim como ter lido o poema que ela levou entre os dedos endurecidos por este estado, assim como ter puxado uma salva de palmas no memento em que se fechou a portinhola - ela mereceu por ter cuidado da maioria dos ali presentes.

Talvez essa seja a nossa única condição.
Sinto que o porto seguro se modificou - aquela que mostrava o caminho, abraçando e acolhendo, está hiper-presente agora em aura e nos objetos biográficos que estão vibrando na casa impregnada: a pedra em meu pescoço, as fotos, os cadernos e as cartas.
Antes dela vencer, havíamos separado um texto de Ecléa Bosi para lermos juntos. Trata-se de velhos relatando suas histórias( ver Ecléa Bosi, Memória e Sociedade, lembranças de velhos, pag.444, que é o número de nossa casa); cresci com ela contando esses relatos - e crescia com esses relatos -, e sinto que daí foi adquirida uma forma grave de ver a vida, pois eles me colocaram rente a um tempo antigo, anterior aos elevadores, rádios e celulares - comodidades modernas que nos levaram à liquidez de uma vida antigravitacional. Por isso talvez, levamos tudo a sério, vemos tudo sob a ótica dos limites e das primeiras emergências de um tempo duro e sem comodidades.

A sua presença aumentou, como se tivéssemos ganhado uma insígnia solar(um sol rente aos ombros), que não nos deixa esquecer. Talvez isso seja estar rente aos ensinamentos e talvez venha deste sol a presença, junto da voz grave e da maturidade crescente. Porém, com o seu retorno, foi sentida uma liberdade à mais. Sinto que as coisas são vistas, livres de julgamentos morais ( a casa diluída na essência venta por toda parte, mas na condição de vento, só pode ventar). Vislumbramos aqui, um rompimento tradicional, o que nos dá maior liberdade de caminhar sem os elos pesados da tradição.
Nos sentimos mais seguros de tomar decisões e trilhar novos rumos: a isso chama-se asas nos pés.

Podemos dizer que, além dessa consciência expandida, ganhamos também a oportunidade do tempo-repouso na casa ( tempo-templo) onde nasci e cresci a minha primeira infância. Hölderlin já cantara: " não expulse o homem cedo demais da cabana onde decorreu a sua infância". Sentimos que poderemos nos debruçar a esse chamado, felizes, pela vida ter atendido esta súplica. Tudo vem convergindo para o sucesso( que é estar vivo e vivendo, colado na via onde a vida passa e brota) de nossas missões. A arte é um esticamenteo da infância, e deve atuar como um vaco nessa aceleração mundana - vaco tão vaco que, puxando tudo para si, pode retardar este aceleiro, reinstaurando a calmaria da natureza, que existe antes dos homens.

Por isso percebemos o quanto é salubre estarmos aqui e penso se poderemos habitar os devaneios de nossos antepassados e se responderemos ao Vale do Jucá. Sinto que habitamos daqui, uma ancestralidade e, se sentimos um cheiro permanente de crise, sentimos ao mesmo tempo uma calma na vitória; nisso podemos acessar, como sempre, a antecedência de ser. O que virá, virá, o importante é estar repleto de vida.

Sinto que todos que retornaram a substância, acessaram a camada da esfera celestial. Muito obrigado á todos os nossos antepassados, sentimos a força que nos faz cumprir e honrá-los. Coisas precisam ser feitas e resolvidas_________________________________________________________, como sempre.

Sucinto, acessei a concisão que me é.
Saltei do estado de crise para uma calmaria agente e ligante, repleta de vida na via da vida; vivo através do vívido saudável: vivão!
Nas profissões, devo usar as tormentas para escrevê-las, como um relator dos acontecimentos-denuncia (vide Luis Lucena). ISSO ME SALVARÁ, fazendo com que salte sempre das crises que a realidade do mundo sugere. Devo amá-lo e, onde sentir a suspeita que manifesta inimizades, ouvirei sempre: frequenta-me. Sei dos limites.
E arrisco a falar: me sinto muito feliz!
não é preciso tomar decisões agora: o homem é feliz pelo tanto de coisas que ele consegue deixar calmas.
Nada temos que temer.
Nossos antepassados nos amam e nos abençoam, sentimos!

Aceito e incorporo a lição escritora de Adail, uma das maiores agentes em escrita Terapêutica na cidade de guarulhos, conciliando xamanismo (magia simpática), budismo e cristianismo primitivo, deixando um legado metodológico de vir -a-ser no mundo através da palavra   como alavanca vibracional para o corpo moldar-se e mover-se distante de uma melancolia que não liga e deprime, paralisando o jorro(Ser) da movença. O mesmo acontece com o corpo da realidade que, de um estado fixo e imutável, toma formas variáveis através de uma transfiguração e transmutação.

São tratados íntimos de como pedalar as eras, junto com as eras, estar vivente dentro do vivo.

Sinto que elevo e levo isso ás últimas consequências: linhagem.

Agora podemos descansar em paz, Muito obrigado!






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