quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Para a torre de cavaco (postal em duplicata: acidente gutural)



Estes dia lembrei de você, acho que foi em sonho que percorri a antessala da fábrica de meu avô - tom bege esbranquiçado, goma, massa derretida sobre as mesas e máquinas, o cheiro do pó da madeira que pousava sobre tudo, imperando entre os sentidos da imagem de nossos encontros. Foi nessa marcenaria que só fazia molduras pra quadros e retratos, que éramos um para o outro. Tu foi um de meus paraísos mais íntimos. Falo isso por ter sido pouquíssimas as vezes que te compartilhei. Esbarro uma de minhas dores: ter um prazer e não poder partilhá-lo. Dentro, me perguntava sobre o porquê de não ter ninguém ali comigo naquilo que me era tão servil, e tão servil por ser grande.

Meu avô com a roupa velha, uma ou duas vezes era meu primo e em uma outra apareceu um menino do nada, e até hoje não sei se ele é fruto de uma imaginação sim-pática – assim como a desconfiança perante tudo que me cerca.

Talvez nos entendemos na visão dionisíaca do mundo, pois nunca tive um grande prazer em ter prazer sozinho – sempre preferimos o junto.

É nesta certeza que posso finalizar este postal, aproveitando para dizer que tu estás, compondo como imagem fundante, a colcha de retalho que costurei com minhas iconografias da infância. É por essas e por outras, que tive necessidade de te elevar ao estado de ícone.


Abraços, com o respeito e dignidade que tu exige, 
do sempre seu, B.P.

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