Estes dia
lembrei de você, acho que foi em sonho que percorri a antessala da fábrica de
meu avô - tom bege esbranquiçado, goma, massa derretida sobre as mesas e máquinas, o cheiro do pó da
madeira que pousava sobre tudo, imperando entre os sentidos da imagem de nossos
encontros. Foi nessa marcenaria que só fazia molduras pra quadros e retratos,
que éramos um para o outro. Tu foi um de meus paraísos mais íntimos. Falo isso
por ter sido pouquíssimas as vezes que te compartilhei. Esbarro uma de minhas
dores: ter um prazer e não poder partilhá-lo. Dentro, me perguntava sobre o porquê
de não ter ninguém ali comigo naquilo que me era tão servil, e tão servil por ser grande.
Meu avô com
a roupa velha, uma ou duas vezes era meu primo e em uma outra apareceu um
menino do nada, e até hoje não sei se ele é fruto de uma imaginação sim-pática –
assim como a desconfiança perante tudo que me cerca.
Talvez nos entendemos na visão dionisíaca do mundo, pois nunca tive um grande prazer em ter
prazer sozinho – sempre preferimos o junto.
É nesta
certeza que posso finalizar este postal, aproveitando para dizer que tu estás,
compondo como imagem fundante, a colcha de retalho que costurei com minhas iconografias da
infância. É por essas e por outras, que tive necessidade de te elevar ao estado de ícone.
Abraços, com o respeito e dignidade que tu exige,
do sempre seu, B.P.
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