Sabes que sempre tive medo do paranormal, como quem teme brilhar e ser grande no seu melhor. Me lembro que a primeira vez que fui
a um terreiro, me caguei nas calças. Só de me lembrar me vem o cheiro de
defumação habitar minhas narinas – era dia de Cosme e Damião – cheiro de pipoca
doce.
Me lembro que foi em algum momento de minha infância, quando
tomado por uma paúra sobre o desconhecido, que me vi obrigado a lhe dizer através
de minha boca. Visualizo a cena que, em meio a multidão de vozes, não temi o
escuro, mas sim o que tinha dentro dele.
Lhe confesso que, apesar de sua serventia, isso não me
privou de escutar e tudo que não vejo, pareço ouvir em dobro. São vozes,
sussurros, vultos e zuncadas no pé do ouvido que me fazem no trato de um deus
que diz e se desdiz. Dessa escuta trago muitos frutos que por si são – pedras que trago para o meu tato e para o tato de meus semelhantes. Sinto mediar transações entre o mundo visível
e invisível, assim como eu mediava os confrontos naturais do jardim em minha infância.
Transpasso por esses mundos audíveis e nisso sou atentado a tentar sempre uma
cesta cheia. Independente da posteridade, tempo ou espaço, isso que lhe
compartilho aqui nesta carta me faz conceber esse cumprimento: se não o fizesse
talvez me perderia nos sons que capto. Na crackolândia vejo vários médiuns
padecendo, invertem a calcificação e queimam o cristal errado.
Uma vez, um caboclo me disse que minha missão nesse plano é
espiritual e que o resto devo levar com calma, mas que jamais poderia decair
disso, caso contrário iria sucumbir. É talvez por isso que sintonizo tais frequências
e luto em persistir.
Ah, como deve dar para perceber, perdi o medo de terreiros,
assim como tantos outros, mas mesmo assim prefiro continuar sem ver – a clariaudiência
já me basta para dizer e desenhar o terror de minhas imagens.
Desde já lhe agradeço por se manter firme o nosso laço,
pedindo que ele permaneça assim firme, como o som é anterior aos homens e a
realidade que nos cerca. Deus se manifesta mais pelos ouvidos do que pela boca
e pelos olhos.
Sigamos juntos, com toda simpatia e gratidão, B.P.
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