quinta-feira, 19 de março de 2015


Às esculturas com miolo de pão

Estou tomando café com Clarice e Pedro. É daqui que lhes escrevo sondando as imaginações de quando compunha suas formas junto de meu avô. Imagino se já devaneava sobre a escultura social e sobre as molduras de um corpo mutável. Sinto que ali, enquanto malaxava, tive minhas primeiras noções esculturais: fazíamos formas ao nosso bel prazer, juntando-as sobre a toalha manchada, entre as xícaras vazias, cascas e farelos de pão, na mesa iluminada pela manhã solar do domingo – muitas arrastaram-se assim, desdobrando-se sob esta luz adentrada.

Meu avô chega bem perto e, com gracejos ao pé de meu ouvido, me pergunta o nome das formas que se criavam, uma a uma. Nessas noções primitivas de plasticidade, visitei a possibilidade da alternância, nomeação e icônicidade. As massas se acinzentando na gordura de nossos dedos e nessa alethéia, aquilo que perpassava a manhã era moldado e nisso éramos também moldados numa apreensão da possibilidade de alterar as coisas - desdobramento no retirar da mesa sob o cheiro da borra, alimento comido, resto, desvelo e esquecimento.

Agora devo me despedir, pois Clarice está na mesa me olhando; sou chamado a transmitir esse tesouro, um de nossos maiores amuletos ancestrais.

Sigo daqui, em vocês mais do que nunca.
Muito obrigado, do sempre seu, B.P.


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