sábado, 17 de março de 2012

Manifesto a mulher que habito


...Eu cruzei doze cidades, sempre olhando as casas pelo lado de fora e espantado porque do rosto dos homens havia sumido o encanto. Foi só na última cidade que notei a mulher ao meu lado e vi que a mulher na mulher amava o exilado.
(E foi essa a única revelação que me nutriu.)

Segredo de um amor II, Juliano Garcia Pessanha

...

Maria,
quero caber todo em você.

Amor, Manuel de Barros


Precisamos ver de dentro.
Essa mulher que me nutre me veste e esquenta a água para banhar-me no mergulho, eu a vejo de fato, ainda consigo ver sua demência?

Não sou o mesmo de décadas atrás, mas é mentir dizer que o mesmo não está em mim.

Alguma coisa ativa, como o chão, me prende. Só não consigo ver quando me ausento numa “falta de ver”( nome real da ausência), numa doença antes dos olhos, que faz enxergar somente o que os olhos vêem e isso pode causar o fim de tudo.

Onde está a mulher que me prende?

Acho seu ponto de loucura, este desarranjo que me trouxe e vem me trazendo, este ponto que interessa e extrapola.

Eu te acesso, faz confundir-me, chamá-la de mãe. Mostra que poderíamos ter chegado onde chegamos sem metade do que nos importamos tanto e que literatura, não é nada mais que o nosso rosto – aquilo que diz o osso.

A mulher que idealizo, de nada serve se não igualar-se àquela que só participo, numa manobra de recepção(fora para dentro) e repouso, nunca o contrário. A contração e a projeção (dentro para fora) não passam de pretensões executáveis - manobras delicadas para o serviço de participar.

Acesso essa mulher que se deita ao meu lado, essa é a única pretensão sem pretensão - o acesso é nato e ultrapassa o que pretender significa.

Por isso, quando ler meus poemas – os que contam por contraírem em si a poesia – e sentir-se incorporado em algo benfazejo de fato, saiba que o que salvou não foi eu, foi esta mulher que me suporta e é ela quem escreve em mim. Dela tenho me nutrido e só assim consigo escrever o que vejo - como um animal comendo na cuia da criança. Não agradeça a mim, agradeça ao que sustenta.



Março, 2012

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