sexta-feira, 8 de julho de 2016

Um relato de lucidez

Aqui é o lugar onde o tempo parou.                                                                                                      Na verdade ele, o tempo, não parou, nós é que paramos para com ele. Foi a iniciativa mais sóbria da cidade. Por isso lhe servimos esta cachaça e lhe falamos sobre a neve em pleno calor dos trópicos: o sertão mais ereto dos arredores é corcunda de nascença.  Tudo em volta envelhece lentamente por conta do ar bege avermelhado encaixando-se como um acontecimento que deixou de ser só mera realidade. São estas tonalizações que elevam as coisas ao nível de ser . Talvez seja através desta saturação que abrimos o nosso dia-a-dia ao grau de um instante só: ele se amplia e o seu âmbito se faz incessante, simultâneo e partilhável. A isso chamamos de intensidade essencial para acordar e conseguir sair da cama. O devaneio é uma clareira de ser. Ele é a possibilidade nas frestas dos acordos aos quais já nos cansamos o bastante. Por isso descansamos até de ser e nos deslocamos das ansiedades desta sociedade que, com seus acordos, fritam nossos neurônios.   Este é o apagamento da frase “quem não trabalha não come” que foi tatuada no interior de nossas pálpebras.  Apesar de nossos dentes estarem amarelados, conseguimos preservar as nossas glândulas de cristal dentro. E este é o talo: somente as luzes de nossos fosfenos ditarão onde seguiremos ou as regras de como permaneceremos. Dentro de uma sala todos pareciam estar dormindo, menos o lango de mordida torta. Este núcleo está por toda parte e pode ser acessado de qualquer lugar sendo que, na verdade, é este núcleo que nos acessa e não o contrário. Trata-se de um estado em que as crianças brincam soltas na rua e os mais astutos pisam nele cotidianamente.

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