Corpo desembaraçado dos compromissos com as imagens e formas efêmeras
do mundo hominizado. Corpo liberto das imanências e propriedades de um
idealismo que só se reconhece a si mesmo.
Debruçar-se às plantas e a cosmicidade é o desejo de sair
deste idealismo espelhante saltando para um DEMORAR-SE junto: silêncio, nuca, escuta
e languidez.
A arte é a parte da filosofia que sai do idealismo e vai
catar coisas na rua disposta a um roçar-de-cara junto aos entes, olhando,
ouvindo, atenta para com tudo e todos na sua insana capacidade de imersão.
(Deligny, Boyeus, Bispo do Rosário e tantos outros que nunca
deixariam de fazer uma ciranda com a infinição ao invés de representar uma competência).
Esta imersão no intra-mundano que faz a arte estar no mais
cedo de tudo aloca-nos junto à primeira criação, a pré-realidade, ao pensamento
atrás do pensamento (It de Clarice), naquilo que é de outrora, antes, anterior,
mais antigo ao mesmo tempo em que é o chegar mais cedo no que ainda virá.
Aquela ave que circula
o céu anunciando a chuva e não sabe.
A natureza é o anterior a todos os mundos humanos. No combate
entre o mundo (planeta: tudo que é humano) e a terra( aquilo que não é feito e não foi feito por nós
humanos), a arte que permanece próxima ao MAGMA
propõe um salto através de uma
abertura.
E as linhas da razão são postas em movimento.
E vingam as formas e modos que nos fazem saltar da condição
humana.
E é por isso que o magma se diz através de NÓS: o trazido
disso é sempre a sobrevivência da face perdida. A arte (CLARIVIDÊNCIA procurada
em campo móvel) é uma possibilidade AÓRGICA, a ausência do rosto humano, onde
ele escapa frente àquilo que escapa de seu alcance.
A razão é apenas mais um fenômeno da potência quando humanizada
e não pode ser encarada como mais do que isso. Ela se move somente pelo que é
legível, cognoscível, fixado e incomovível. Em seu grau máximo de liberdade, a
razão não ultrapassa a eidética que propõe a intuição a partir da coisa em si –
o númeno. Quando a razão, por intermédio de si mesma se vê livre, apenas consegue
expor a intuição a diferentes formulações a partir de um objeto já dado. São as
potências correndo para embarcar num percurso de elucubrações em torno do
mesmo. E o dizer aqui se torna um dito sem MOVENÇA que, sem afetos possíveis, nos
deixa a mercê da dureza que nunca se põe em movimento e por isso é a mantenedora
da violência como a única moeda de troca. Sem alteridade possível, o conhecido
se torna um dito - dita-verdade do er(a)udito
- e só pode ser acessado ou posto em movimento através da violação.
É nessa precariedade que o cogito cognoscível se sustenta a
base de incessantes inoculações. Quando
ele se perde e incondicionalmente é arremessado à parcela do-não-existente, ilusório
e errado que lhe põe em movimento, o inato vinga espaço saltando-nos do
conhecimento para o oferecer transcendental( o dispensador) que tudo expele e
exprime: espoque e exteriorização antes do exteriorizado da realidade.
O que se exprime alinhado
ao e(x)premedor.
E por que é preciso dizer se o que se exprime não me diz
nada, só grunhe, canta e é imagem prostrada de silêncio? O dizer( palavra filha
do grunhir-lingua-gem) é o depois do susto advindo da presença da condição
humana. Logo, o ir depois do humanismo( que é a angústia deste susto em curso
através da palavra) sai da condição assustada – humanista e banca o silêncio
das formas primeiras e sem rosto.
Alteridade até para com o absolutamente OUTRO.
Em arte isto é o ato de DESENHAR substituído pela pergunta PARA
QUE DESENHAR? Podendo-se chegar num desejo de obter a resposta desta pergunta somente
através de um acidente no DESENHAR.
Se grunhir for desempenho (performance) do rosto é sinal de
que já fracassamos. Em outras palavras, isso seria estar ainda na corrida do humano
rumo ao sétimo dia em que as criaturas de DEUS poderão enfim descansar assim
como ele mesmo o fez.
Grunhir tem mais a ver com instaurar em si um já-sábado
simultâneo e partilhável.
Trata-se antes da parte não sabida e jamais de um
saber-do-não-saber, pois o saber aqui exclui o
raio das possibilidades de um percurso que se inicia com o abandono do
mesmo. Logo um saber não é POSSÍVEL.
É o equivalente ao puro estar do ócio e das relações do
repouso que nos reinstauram à condição SUR do SURrealismo, fazendo-nos habitar
na presença (SURplus): estar em; sobre; acerca e a respeito de; no seguimento de;
do lado de; e para o.
E o andar em cima da terra passa a ser um acordo feito com
aquilo que a vida tem de excedente. E acordar passa a ter a ver com extrapolar
as bordas do humano-insistente-que-somos para voltarmos a sermos meros-
inquilinos- de-onde-estamos.
Não se entra em repouso com uma pré-disposição ou um assunto
pré-disposto. O repouso, assim como a
arte, vem de uma indisposição. Este caminhar no descaminho deixa-nos ancorados ao
PARA NADA.
É o estar-aí implícito em tudo sendo explicitado: a saturação
do REAL.
O ócio e as relações do repouso que nos reinstauram a
condição SUR:
quando no olho de Virgínia os fosfenos de seus olhos borravam
a realidade que se deformava sob a sua fronte, é que o que era aparentemente
imóvel começava a se diluir.
E é aí que temos contato com as águas sugestivas das
imaginações poéticas que “SEM QUERER” nos vem projetadas nas películas da
percepção.
O DEVANEIO é uma
clareira de SER.
Porém o devaneio quando visto já está nas rédeas da percepção
e, somente raptado pela reflexão é que pode ser um devaneio: um dizer que pôde
ser comunicado.
Mas a forma (Apologos mundus: apolo, logos, mundo) emerge da noite dionisíaca do
sangue que é o nosso verdadeiro SER:
esta alegoria nos coloca num núcleo movente-imóvel, inerte,
silencioso e andrógeno. É onde tudo indica a existência do incerto ponto
sensível em que a vida e morte, passado e futuro, o comunicável e o
incomunicável, o alto e o baixo, cessam de ser percebidos como contraditórios. Ele
está quando, no conjunto do indivíduo, manifesta-se um lugar-estado aberto (aqui
é onde o núcleo devaneante é uma clareira de ser): espécie de luz que ofusca e
atrapalha o funcionamento dos acontecimentos normalizados ao ponto em que eles
mudem a sua frequência rítmica nem que por uma fração de segundo. E um passo a
frente, já não estamos no mesmo lugar. Este aberto não é envolvido pelo
indivíduo, e ao contrário, é este aberto que o envolve. Esta abertura é, vista
a partir dele, anterior e independente a ele, tendo mais lastro (antiguidade e
autonomia percebíveis) do que qualquer noção-sensação de indivíduo, eu ou
sujeito. Este centro aberto (parte de nada contida em tudo) é iluminante e circunscreve
todos os sujeitos com o NADA anterior a ele e que tudo abarca. É a partir deste
núcleo contido nos corpos materiais que nos surge a trama de atrações dos
inúmeros devires no possível. É ele que faz tudo a partir do amorfo, pois já é
em si, todas as possibilidades formais.
Quem habita perto da origem (Hölderlin), jamais abandona o
lugar. O núcleo está por toda parte e pode ser acessado de qualquer lugar(It –
Clarice).
Os devaneios primários, anteriores até a intimidade, fruem
através de leis naturais. São potências inumanas que superposicionam imagens
primitivas, seguindo a linha da comunhão inata e não a da comparação (cerne do pensamento,
que é significante). Os devaneios primevos, em si, se apresentam
sinteticamente, sem uma pré-visão. No âmbito do imprevisto, trazem-se de
antemão como síntese e, inéditos, não trazem um rosto conhecido que lhes
apresente. Estas exibições imagéticas proporcionam encontros entre realidades
distintas, distantes e antinômicas. Tais imagens correspondem a uma espécie de
correspondência com o divinatório (divino como mistério a ser adivinhado) e
sublime – como aquilo que transcende a nossa capacidade de escolha e de
autoafirmação. Com isso nos deparamos com uma constante e invonluntária
sublimação do terreno-cotidiano e até do sujeito-indivíduo que somos. Muitas
vezes, é na própria experiência do espaço profano que sofremos as
incondicionais intervenções devaneantes: intervisão de valores, lembranças que
se misturam com imagens imprevistas e que, a partir de experimentadas, ganham a
impressão de futuro como algo a ser vivido. A sensação de estar sendo tomado
por esta poeira de futuro nos arremessa a uma experiência (onde a vida parece
estar sendo drenada e sentimos que de fato somos preenchidos) incestuosa
com o espaço. Até o humano mais cético já se viu intrigado com suas imaginações
sem precedências. Todos nós já nos vimos arremessados num estado que
proporciona um rasgo na esfera dos acontecimentos cotidianos. ISTO nos
transporta para universos (muitas vezes suspensos ao grau de lugares que se
misturam a paisagens da infância, imagens da região natal que guardam
qualidades excepcionais), como se se revelasse uma outra realidade, diferente, ou
muitas vezes oposta, daquela que participamos em nossa existência
cotidiana. O devaneio nos da possibilidade de sacralizar o cotidiano,
assim como deformar(profanar) a experiência do espaço sensível. A iconoclastia
contida no devaneio (que ora é puro e inato e ora é advinda dos refugos
psíquicos da comunicação – flutuação cotidiana - que a nossa percepção se debruça ou descarta)
é uma espécie de degradação da linguagem humana(mundo), sendo possível dizê-los
somente através de rearranjos de palavras ( que dizem muitas vezes sem dizer) que
se juntam na tentativa de dizer o indizível. Neste caso o dizer talvez seja o
dar/prestar-conta de significações tão profundas que se trata de uma
correspondência com aquilo que foi incapaz de se mostrar: o excedente.
Através desta negatividade que é o devaneio, nos defendemos
da autorrepresentação do homem-humano que somos assim como nos afastamos da força
produtiva finita do trabalho. Fora da objetividade (produto da força de
manipulação do homem em busca da definição) e da metafísica da subjetividade
que nos rechaça com a moral escravagista, saímos da premissa histórica do homem
confundido com a história do trabalho.
O devaneio nos propõe uma mudança de sianais:
que o MAIS signifique menos e o menos signifique MAIS = SUR.
Esta inversão de perspectiva de fato assina a nossa carta de
alforria: onde se falava em alienação do homem primitivo sujeito apenas aos
mandamentos da terra, passamos a ver uma relação com as potências da história;
onde se proclama um processo no caminho da liberdade do sujeito-homem
autorepresentante de si e repleto de si, veremos um sucessivo alienar-se
daquilo de inato que incondicionalmente éramos ou ainda somos. Em outras
palavras seria expor-se ao devir planta, devir fruta, mata, terra e mãe ao
invés de bancar a autorrepresentação humana que é um afastamento-devastamento(susto
humanista) do que nos é inato. Assim nos elevamos do homem cripto-religioso
(aquele que só se emociona com o que lhe é caro e semelhante ao seu rosto) para
esbarrar a dimensão do mistério que nos É.
À negatividade da inatividade, da não ação e inoperância onde
tudo volta a vibrar sem a disritmia da matéria.
Tudo posto em MOVIMENTO CONSTANTE e INOCULÁVEL:
ao invés disso:----------------------
________-------------
isso: ------------------ ------------------
ou isto:
_____________
Quando estamos cansados, descansamos.
E que o exprimido seja o e(x)premedor,
(ONDA):
daqui se propõe novos céus e novas terras.
Receituário:
- respeito entre o artefato e O OUTRO (a coisa, REAL?)
-o-não-feito-pelo-homem(potência
ctônica)
- o absolutamente outro sem o pacto ético da linguagem
- misterioso arrebatamento: a parcela-do-não-manifesto no
insondável da natureza
- sempre uma distância
- o que extravaza excedente no transbordo originário de antes
do que somos
- a instrução dos mundos – PODER SELVAGEM – fonte inexaurível
de atrações
- aquilo que nos toma a soerguer-se através do fascínio:
quando todo o ente eleva-se a SER
-imagem ou voz na fronte-nuca diária
- o fascínio: espanto e estranhamento
- quem não enlouquece é artista (a relação com a neve do anão
corcunda Euclides Alves da Silva Pernambucano Wanderlei, o dono do bar que
serve o vilão no filme Cobra Verde(Herzog) – o único homem reto na cidade)
Este apelo faz-nos
romper com as possibilidades dadas pelo ente-assegurado (sujeito-indivíduo
assegurado na idéia de SER, autoafirmação e autorrepresentação ) através
do que incondicionalmente vem ao
nosso encontro. Trata-se de imagens inomináveis que se transmitem através de singulares
epifanias.
Nem essência e nem substância: ONDA
TRÓPICO – FASCINAÇÃO:
Quando o receptor é a própria coisa oferecida e o próprio
oferecimento sendo mais aquilo que oferece do que o oferecido. Quando o que
oferece ultrapassa a linha do oferecido.
Se é que se trata de uma manobra arriscada, em arte, nos
importamos sempre com o fundo falso para um crime perfeito (linguagem que nos
resta na cidade democrática: violenta violação constante). Isso nos leva a quem
ofereceu (auto-confissionário, gambiarras, gatos do indivíduo sujeito a uma necessidade
de autoafirmação incessante em busca do mérito – meritocracia na aristocracia:
a mão do pai na testa), nos deixando ainda entre os meandros do oferecido e o
crime perfeito não passa de mera competência. Somente o sujeito está para o que
lhe compete. E para além do fundo falso surge a necessidade de tecer na bolsa o
FUNDO-OCULTO onde se guarda as instruções de onde nascem todos os mundos.
FUNDO OCULTO: o oferecido é a exteriorização do que se
oferece:
O OFERTOR
ZERO = sumir-se =
FASCINADO:
o puro e simples sujeito do verbo
maravilhar-se.
PROJETO-FASCINANTE(
demissor da ideia de qualquer projeto pensado
ou de qualquer empreitada):
O SÁBADO NA VIDA DO CRIADOR.
O DESFRUTE
da criação: a alteridade em seu grau máximo. À REVELIA: a junção entre o
sujeito que pensa e o objeto pensado: incestuosidade entre a criatura e o
criador que só a CONTEMPLAÇÃO (quando olhamos e percebemos que somos
olhados) nos possibilita.
Ao invés de só alteridade, ALTERNÂNCIA: estar
suprido pelos RITMOS e ERRÂNCIAS de nossas condições primeiras.
Projeto -
fascinante: identidade intra-mundana. O INATO, EÔNICO (trama temporal da arte).
Não uma duração infinita, sim a intemporalidade-intervalo: o entre-manifesto e
o seu dentro. A parte tácita que é
equivalente ao esquecimento dos períodos temporais. A extemporaneidade nos
arrastando para fora da história, para o que ficou de fora da história que
seria a parte não humana. A revisão dos contratos, acordos e tratados ou a
partir de agora qualquer membrana será elevada ao grau de sujeito histórico, ou
mais, um povo histórico será uma membrana.
E mais uma questão de fé:
aquele que
recebe convertido em contemporâneo do anterior(amorfo) a nós humanos e a arte,
contendo em si o intemporal do não-tempo. Aquele que esta junto à obra – e que
simultaneamente é reajuntado por ela – é ajuntado à extemporaneidades.
O NÚCLEO
ACESSANTE E TRANSITÓRIO: POCESSÃO, TRANSE, ACESSO AO ABSOLUTAMENTE OUTRO.
A lembrança
de que o ser humano não é o portador do SER e não passa de uma janela aberta.
Ele é apenas mais uma clareira de ser. Sim, talvez onde o Outro pôde ter um SI,
mas nada além disso.
Por mais que
o ser humano moderno ainda seja um crente, alocado na insistência do si – por
se basear no predar e na predação animal – que lhe faz perseguidor e abatedor
daquilo que lhe é estranho, talvez ele ainda se lembre da palavra IRMÃO instaurada
no cerne amistoso de todo SER sobre a terra. Este ponto ético é inerente
inclusive ao humano mais destruidor e violento. Por mais que sejamos
estimulados cotidianamente a matar (“matar um leão por dia” que se transformou na
inofensiva frase “matar-se cotidianamente”, que nos diz de um “morrer interior
a fim de superar-se” e que nos é oferecido
pelo mercado através das psicologias do bom desempenho humano que divulgam a
moral de escravos sob uma roupagem inócua)
e consumir, todo ser humano tem em si aquele momento que sai da condição
neurótica daquele que não pode descansar e descolar do estado de vigília.
Se isso
der muito trabalho, optar sempre pelo descanso e observar, somente observar
contemplando todos os gaviões de penacho ao redor.
Entende-se isso
por descansar que é o mesmo que cessar todas as pretensões humanas.
Estender-se
a um só olhar, e só olhar(receba!) o entorno: A INCESTUOSA COMUNHÃO.
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