sexta-feira, 8 de julho de 2016

Manifeto a nascer nas linhas do afeto

Corpo desembaraçado dos compromissos com as imagens e formas efêmeras do mundo hominizado. Corpo liberto das imanências e propriedades de um idealismo que só se reconhece a si mesmo.

Debruçar-se às plantas e a cosmicidade é o desejo de sair deste idealismo espelhante saltando para um DEMORAR-SE junto: silêncio, nuca, escuta e languidez.

A arte é a parte da filosofia que sai do idealismo e vai catar coisas na rua disposta a um roçar-de-cara junto aos entes, olhando, ouvindo, atenta para com tudo e todos na sua insana capacidade de imersão.

(Deligny, Boyeus, Bispo do Rosário e tantos outros que nunca deixariam de fazer uma ciranda com a infinição ao invés de representar uma competência).

Esta imersão no intra-mundano que faz a arte estar no mais cedo de tudo aloca-nos junto à primeira criação, a pré-realidade, ao pensamento atrás do pensamento (It de Clarice), naquilo que é de outrora, antes, anterior, mais antigo ao mesmo tempo em que é o chegar mais cedo no que ainda virá.

 Aquela ave que circula o céu anunciando a chuva e não sabe.

A natureza é o anterior a todos os mundos humanos. No combate entre o mundo (planeta: tudo que é humano) e a terra( aquilo  que não é feito e não foi feito por nós humanos), a arte que permanece próxima ao MAGMA  propõe um salto através de uma abertura.

E as linhas da razão são postas em movimento.

E vingam as formas e modos que nos fazem saltar da condição humana.

E é por isso que o magma se diz através de NÓS: o trazido disso é sempre a sobrevivência da face perdida. A arte (CLARIVIDÊNCIA procurada em campo móvel) é uma possibilidade AÓRGICA, a ausência do rosto humano, onde ele escapa frente àquilo que escapa de seu alcance.

A razão é apenas mais um fenômeno da potência quando humanizada e não pode ser encarada como mais do que isso. Ela se move somente pelo que é legível, cognoscível, fixado e incomovível. Em seu grau máximo de liberdade, a razão não ultrapassa a eidética que propõe a intuição a partir da coisa em si – o númeno. Quando a razão, por intermédio de si mesma se vê livre, apenas consegue expor a intuição a diferentes formulações a partir de um objeto já dado. São as potências correndo para embarcar num percurso de elucubrações em torno do mesmo. E o dizer aqui se torna um dito sem MOVENÇA que, sem afetos possíveis, nos deixa a mercê da dureza que nunca se põe em movimento e por isso é a mantenedora da violência como a única moeda de troca. Sem alteridade possível, o conhecido se torna um dito -  dita-verdade do er(a)udito - e só pode ser acessado ou posto em movimento através da violação.

É nessa precariedade que o cogito cognoscível se sustenta a base de incessantes inoculações.  Quando ele se perde e incondicionalmente é arremessado à parcela do-não-existente, ilusório e errado que lhe põe em movimento, o inato vinga espaço saltando-nos do conhecimento para o oferecer transcendental( o dispensador) que tudo expele e exprime: espoque e exteriorização antes do exteriorizado da realidade.

 O que se exprime alinhado ao e(x)premedor.

E por que é preciso dizer se o que se exprime não me diz nada, só grunhe, canta e é imagem prostrada de silêncio? O dizer( palavra filha do grunhir-lingua-gem) é o depois do susto advindo da presença da condição humana. Logo, o ir depois do humanismo( que é a angústia deste susto em curso através da palavra) sai da condição assustada – humanista e banca o silêncio das formas primeiras e sem rosto.

Alteridade até para com o absolutamente OUTRO.

Em arte isto é o ato de DESENHAR substituído pela pergunta PARA QUE DESENHAR? Podendo-se chegar num desejo de obter a resposta desta pergunta somente através de um acidente no DESENHAR. 

Se grunhir for desempenho (performance) do rosto é sinal de que já fracassamos. Em outras palavras, isso seria estar ainda na corrida do humano rumo ao sétimo dia em que as criaturas de DEUS poderão enfim descansar assim como ele mesmo o fez.

Grunhir tem mais a ver com instaurar em si um já-sábado simultâneo e partilhável.

Trata-se antes da parte não sabida e jamais de um saber-do-não-saber, pois o saber aqui exclui o  raio das possibilidades de um percurso que se inicia com o abandono do mesmo. Logo um saber não é POSSÍVEL.

É o equivalente ao puro estar do ócio e das relações do repouso que nos reinstauram à condição SUR do SURrealismo, fazendo-nos habitar na presença (SURplus): estar em; sobre; acerca e a respeito de; no seguimento de; do lado de; e para o.

E o andar em cima da terra passa a ser um acordo feito com aquilo que a vida tem de excedente. E acordar passa a ter a ver com extrapolar as bordas do humano-insistente-que-somos para voltarmos a sermos meros- inquilinos- de-onde-estamos.

Não se entra em repouso com uma pré-disposição ou um assunto pré-disposto.  O repouso, assim como a arte, vem de uma indisposição. Este caminhar no descaminho deixa-nos ancorados ao PARA NADA. 

É o estar-aí implícito em tudo sendo explicitado: a saturação do REAL. 
  
O ócio e as relações do repouso que nos reinstauram a condição SUR:

quando no olho de Virgínia os fosfenos de seus olhos borravam a realidade que se deformava sob a sua fronte, é que o que era aparentemente imóvel começava a se diluir.

E é aí que temos contato com as águas sugestivas das imaginações poéticas que “SEM QUERER” nos vem projetadas nas películas da percepção.

  O DEVANEIO é uma clareira de SER.

Porém o devaneio quando visto já está nas rédeas da percepção e, somente raptado pela reflexão é que pode ser um devaneio: um dizer que pôde ser comunicado.

Mas a forma (Apologos mundus: apolo, logos, mundo) emerge da noite dionisíaca do sangue que é o nosso verdadeiro SER:                                                                                           
esta alegoria nos coloca num núcleo movente-imóvel, inerte, silencioso e andrógeno. É onde tudo indica a existência do incerto ponto sensível em que a vida e morte, passado e futuro, o comunicável e o incomunicável, o alto e o baixo, cessam de ser percebidos como contraditórios. Ele está quando, no conjunto do indivíduo, manifesta-se um lugar-estado aberto (aqui é onde o núcleo devaneante é uma clareira de ser): espécie de luz que ofusca e atrapalha o funcionamento dos acontecimentos normalizados ao ponto em que eles mudem a sua frequência rítmica nem que por uma fração de segundo. E um passo a frente, já não estamos no mesmo lugar. Este aberto não é envolvido pelo indivíduo, e ao contrário, é este aberto que o envolve. Esta abertura é, vista a partir dele, anterior e independente a ele, tendo mais lastro (antiguidade e autonomia percebíveis) do que qualquer noção-sensação de indivíduo, eu ou sujeito. Este centro aberto (parte de nada contida em tudo) é iluminante e circunscreve todos os sujeitos com o NADA anterior a ele e que tudo abarca. É a partir deste núcleo contido nos corpos materiais que nos surge a trama de atrações dos inúmeros devires no possível. É ele que faz tudo a partir do amorfo, pois já é em si, todas as possibilidades formais. 
      
Quem habita perto da origem (Hölderlin), jamais abandona o lugar. O núcleo está por toda parte e pode ser acessado de qualquer lugar(It – Clarice).

Os devaneios primários, anteriores até a intimidade, fruem através de leis naturais. São potências inumanas que superposicionam imagens primitivas, seguindo a linha da comunhão inata e não a da comparação (cerne do pensamento, que é significante). Os devaneios primevos, em si, se apresentam sinteticamente, sem uma pré-visão. No âmbito do imprevisto, trazem-se de antemão como síntese e, inéditos, não trazem um rosto conhecido que lhes apresente. Estas exibições imagéticas proporcionam encontros entre realidades distintas, distantes e antinômicas. Tais imagens correspondem a uma espécie de correspondência com o divinatório (divino como mistério a ser adivinhado) e sublime – como aquilo que transcende a nossa capacidade de escolha e de autoafirmação. Com isso nos deparamos com uma constante e invonluntária sublimação do terreno-cotidiano e até do sujeito-indivíduo que somos. Muitas vezes, é na própria experiência do espaço profano que sofremos as incondicionais intervenções devaneantes: intervisão de valores, lembranças que se misturam com imagens imprevistas e que, a partir de experimentadas, ganham a impressão de futuro como algo a ser vivido. A sensação de estar sendo tomado por esta poeira de futuro nos arremessa a uma experiência (onde a vida parece estar sendo drenada e sentimos que de fato somos preenchidos) incestuosa com o espaço. Até o humano mais cético já se viu intrigado com suas imaginações sem precedências. Todos nós já nos vimos arremessados num estado que proporciona um rasgo na esfera dos acontecimentos cotidianos. ISTO nos transporta para universos (muitas vezes suspensos ao grau de lugares que se misturam a paisagens da infância, imagens da região natal que guardam qualidades excepcionais), como se se revelasse uma outra realidade, diferente, ou muitas vezes oposta, daquela que participamos em nossa existência cotidiana.  O devaneio nos da  possibilidade de sacralizar o cotidiano, assim como deformar(profanar) a experiência do espaço sensível. A iconoclastia contida no devaneio (que ora é puro e inato e ora é advinda dos refugos psíquicos da comunicação – flutuação cotidiana -  que a nossa percepção se debruça ou descarta) é uma espécie de degradação da linguagem humana(mundo), sendo possível dizê-los somente através de rearranjos de palavras ( que dizem muitas vezes sem dizer) que se juntam na tentativa de dizer o indizível. Neste caso o dizer talvez seja o dar/prestar-conta de significações tão profundas que se trata de uma correspondência com aquilo que foi incapaz de se mostrar: o excedente.

Através desta negatividade que é o devaneio, nos defendemos da autorrepresentação do homem-humano que somos assim como nos afastamos da força produtiva finita do trabalho. Fora da objetividade (produto da força de manipulação do homem em busca da definição) e da metafísica da subjetividade que nos rechaça com a moral escravagista, saímos da premissa histórica do homem confundido com a história do trabalho.

O devaneio nos propõe uma mudança de sianais:
que o MAIS signifique menos e o menos signifique MAIS = SUR.  

Esta inversão de perspectiva de fato assina a nossa carta de alforria: onde se falava em alienação do homem primitivo sujeito apenas aos mandamentos da terra, passamos a ver uma relação com as potências da história; onde se proclama um processo no caminho da liberdade do sujeito-homem autorepresentante de si e repleto de si, veremos um sucessivo alienar-se daquilo de inato que incondicionalmente éramos ou ainda somos. Em outras palavras seria expor-se ao devir planta, devir fruta, mata, terra e mãe ao invés de bancar a autorrepresentação humana que é um afastamento-devastamento(susto humanista) do que nos é inato. Assim nos elevamos do homem cripto-religioso (aquele que só se emociona com o que lhe é caro e semelhante ao seu rosto) para esbarrar a dimensão do mistério que nos É.

À negatividade da inatividade, da não ação e inoperância onde tudo volta a vibrar sem a disritmia da matéria.

Tudo posto em MOVIMENTO CONSTANTE e INOCULÁVEL:

ao invés disso:---------------------- ________-------------

isso: ------------------             ------------------ 

ou isto: _____________

Quando estamos cansados, descansamos.

E que o exprimido seja o e(x)premedor,        
       (ONDA):

daqui se propõe novos céus e novas terras.

Receituário:

- respeito entre o artefato e O OUTRO (a coisa, REAL?)

 -o-não-feito-pelo-homem(potência ctônica)

- o absolutamente outro sem o pacto ético da linguagem

- misterioso arrebatamento: a parcela-do-não-manifesto no insondável da natureza

- sempre uma distância

- o que extravaza excedente no transbordo originário de antes do que somos

- a instrução dos mundos – PODER SELVAGEM – fonte inexaurível de atrações

- aquilo que nos toma a soerguer-se através do fascínio: quando todo o ente eleva-se a SER

-imagem ou voz na fronte-nuca diária

- o fascínio: espanto e estranhamento

- quem não enlouquece é artista (a relação com a neve do anão corcunda Euclides Alves da Silva Pernambucano Wanderlei, o dono do bar que serve o vilão no filme Cobra Verde(Herzog) – o único homem reto na cidade)    

 Este apelo faz-nos romper com as possibilidades dadas pelo ente-assegurado (sujeito-indivíduo assegurado na idéia de SER, autoafirmação e autorrepresentação )  através  do que incondicionalmente vem  ao nosso encontro. Trata-se de imagens inomináveis que se transmitem através de singulares epifanias. 

Nem essência e nem substância: ONDA

TRÓPICO – FASCINAÇÃO:

Quando o receptor é a própria coisa oferecida e o próprio oferecimento sendo mais aquilo que oferece do que o oferecido. Quando o que oferece ultrapassa a linha do oferecido.

Se é que se trata de uma manobra arriscada, em arte, nos importamos sempre com o fundo falso para um crime perfeito (linguagem que nos resta na cidade democrática: violenta violação constante). Isso nos leva a quem ofereceu (auto-confissionário, gambiarras, gatos do indivíduo sujeito a uma necessidade de autoafirmação incessante em busca do mérito – meritocracia na aristocracia: a mão do pai na testa), nos deixando ainda entre os meandros do oferecido e o crime perfeito não passa de mera competência. Somente o sujeito está para o que lhe compete. E para além do fundo falso surge a necessidade de tecer na bolsa o FUNDO-OCULTO onde se guarda as instruções de onde nascem todos os mundos.

FUNDO OCULTO: o oferecido é a exteriorização do que se oferece:
O OFERTOR

ZERO   =     sumir-se  =   FASCINADO:
 o puro e simples sujeito do verbo maravilhar-se.

PROJETO-FASCINANTE( demissor da ideia de qualquer projeto pensado  ou de qualquer empreitada): 

O SÁBADO NA VIDA DO CRIADOR.

O DESFRUTE da criação: a alteridade em seu grau máximo. À REVELIA: a junção entre o sujeito que pensa e o objeto pensado: incestuosidade entre a criatura e o criador que só a CONTEMPLAÇÃO (quando olhamos e percebemos que  somos olhados) nos possibilita.  

Ao invés de só alteridade, ALTERNÂNCIA: estar suprido pelos RITMOS e ERRÂNCIAS de nossas condições primeiras. 

Projeto - fascinante: identidade intra-mundana. O INATO, EÔNICO (trama temporal da arte). Não uma duração infinita, sim a intemporalidade-intervalo: o entre-manifesto e o seu dentro.  A parte tácita que é equivalente ao esquecimento dos períodos temporais. A extemporaneidade nos arrastando para fora da história, para o que ficou de fora da história que seria a parte não humana. A revisão dos contratos, acordos e tratados ou a partir de agora qualquer membrana será elevada ao grau de sujeito histórico, ou mais, um povo histórico será uma membrana.

 E mais uma questão de fé:

aquele que recebe convertido em contemporâneo do anterior(amorfo) a nós humanos e a arte, contendo em si o intemporal do não-tempo. Aquele que esta junto à obra – e que simultaneamente é reajuntado por ela – é ajuntado à extemporaneidades.

O NÚCLEO ACESSANTE E TRANSITÓRIO: POCESSÃO, TRANSE, ACESSO AO ABSOLUTAMENTE OUTRO.

A lembrança de que o ser humano não é o portador do SER e não passa de uma janela aberta. Ele é apenas mais uma clareira de ser. Sim, talvez onde o Outro pôde ter um SI, mas nada além disso.

Por mais que o ser humano moderno ainda seja um crente, alocado na insistência do si – por se basear no predar e na predação animal – que lhe faz perseguidor e abatedor daquilo que lhe é estranho, talvez ele ainda se lembre da palavra IRMÃO instaurada no cerne amistoso de todo SER sobre a terra. Este ponto ético é inerente inclusive ao humano mais destruidor e violento. Por mais que sejamos estimulados cotidianamente a matar (“matar um leão por dia” que se transformou na inofensiva frase “matar-se cotidianamente”, que nos diz de um “morrer interior a fim de superar-se” e que nos é  oferecido pelo mercado através das psicologias do bom desempenho humano que divulgam a moral de escravos sob uma  roupagem inócua) e consumir, todo ser humano tem em si aquele momento que sai da condição neurótica daquele que não pode descansar e descolar do estado de vigília.

Se isso der muito trabalho, optar sempre pelo descanso e observar, somente observar contemplando todos os gaviões de penacho ao redor.

Entende-se isso por descansar que é o mesmo que cessar todas as pretensões humanas.

Estender-se a um só olhar, e só olhar(receba!) o entorno: A INCESTUOSA COMUNHÃO. 



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