O amigo trouxe a carta de F.
Deligny enviada a todos que nasceram sob o signo de escorpião.
Nela está denunciada a
incompletude do zodíaco humano e a aranha é apresentada como o código de uma
existência pautada na infinição - mas somente por não devotar-se ao infinito. A
figura aracnídea apresenta um signo errado – sujeito apenas às errâncias – fora
do projeto secundário e humanista. Logo, fazer uma imagem deve ser fazer ver o
que não se olha no aparecimento da força e da importância dos gestos que
habitualmente escapam à nossa atenção, situados na negatividade por conta de
agitações inúteis e por isso desprovidas de sentido e que nos lançam a
vibrações exacerbadas onde o ser se perde num sendo sem ser.
Mas nos resta saber, em
intraresposta , se o ato de fazer ver é do ainda humano tonalizante e positivo.
Enquanto hipotecamos os dramas que podem nos ter feito parar nisso que é
distante da forma pura e para nada, MANIFESTAMOS:
“A não violência e o não querer são da mesma
obediência; trata-se de liberar o curso do agir ” F.Deligny em “O Aracniano”
Atmosférica
Na indefinição vagamos: monstro do
latim monstrare, aquilo que se mostra
e se assanha. Os pensamentos nas brechas e nos cantos, estão sempre de frente para
aquilo que não se olha, dando espaço para o que se dá fazer-se visto. A força
por detrás dos atos e gestos não escapa à nossa atenção, porém, a essência é
inobjetivante. Esse ser que está sendo alarga o comum em direção ao fora, aumentando
o dentro e dando a sensação de que algo pode romper a qualquer momento. Não objetivamos
os gestos a fim de conter nada, não podemos nem se quer representar por
estarmos presentes somente à forma pura do para nada.
Iniciativa
Permanecer alocado nas agitações
enigmáticas das crianças em todas as suas presenças invasivas. Estas agitações
calcadas na ausência e na superpresença de si mesmas, que situam as relações e
encontros fora do projeto coletivo e da vida humana normalizada.
Imagens e sons que não contenham
nenhum adulto. O adulto (já adulterado) se retira e com ele a demanda, a
destreza, a injunção e a intenção.
Tudo isso é substituído por
coisas e pela disposição das crianças junto às coisas no espaço, suas
organizações, escrúpulos e medidas nas áreas de estar: o que é estar ali sendo.
Fato-aforismo acerca de narciso:
@ primeir@ human@ era ainda uma criança quando viu pela primeira vez o seu
reflexo na água.
Por isso inoculou-se em nós uma
espécie de Anti-humanismo prático que se despede do homem encostado numa imagem
de pensamento pronta, dominadora e exclusivista por ser lisonjeira.
E nisso, bancar e acolher o intolerável,
o feio e o estranho - espaços possíveis para o inescrupuloso.
Amor e carinho para acolher uma
língua que se desdobra em memórias ancestrais do corpo antes da sua civilização,
assim também como anteparar as memórias de futuro em devaneios que sugerem atos
imprevistos: delírios e imagens inexistentes que são possibilidades ao por vir.
As evidencias e legibilidades que
autorizam e favorecem os atos iniciativos são descritos em traços que não
nomeiam nem interpretam. A construção do sujeito é negada para esticar o que se
entende por individualidade, mas sem ceder ao apagamento massivo.
O organismo do errar assemelha-se
com uma folha seca ao vento.
Estar junto apenas dos trajetos e
das constelações dos agires sem intenção.
Às iniciativas e seus lentos
acontecimentos.
Para isso não a nada a fazer além
de deixar que a criança aconteça e que a rede que compõe os
acontecimentos-criança se faça.
Uma gota de água sugere mil
facetas: estar na orbita das miragens.
Elenco de todos os impedimentos
naturais e impostos, propondo revisões nas sensibilidades, estando sempre abertos
a ocupações de diferentes formas: ensejo espacial e não temporal (ritmanálise).
Espaço é o encontro para que o
inato se dê sem tolhimentos.
À ordem própria dos viventes sem
interferências e arrombamentos.
Como formular o projeto de sair de todo projeto?
Estar num espaço não de existir,
mas de persistir num fazer que não é fazer por ser desprovido de todo para,
estando situados num contraponto às sobrecargas de projetos e conteúdos não
assimiláveis das instituições de formação cultural/escolar.
É algo bem próximo ao CRELAZER de H. Oiticica.
E situados entre os ritmos do agir silencioso, sem querer e
sem consciência, caminhamos ao lado do que surge a partir das perguntas:
COM QUANTOS ANOS SE
TEM A NOÇÃO-ANGÚSTIA DE ESTAR NO MUNDO?
A CRIANÇA TEM ESTA
ANGÚSTIA-NOÇÃO?
1ª Carta
Descobri que as pessoas
dançam
Aquelas amáveis que
vieram junto à visita que é estar aqui
Às imunidades da fonte:
perto da origem não abandonamos o lugar
2ª carta
Nelson,
hoje mais uma vez o mundo
repetiu-se e dessa vez era eu que estava esperando hesitante na porta. Embora
eu tenha, poucas vezes, engatado a entrada no mundo, na maioria delas sempre tive
que recuar. Hoje mais uma vez levei o Pedro para a escola e a sua professora
foi a porta-voz da repetição. Sinto (e isso foi o que apreendi hoje) que o mundo
se reinstaura a partir destas repetições cotidianas, atuando como micro-traumas
que rejuntam e moldam o nosso cérebro. Essas formatações que regulam as
percepções do Real, assim como a realidade, parecem ser a reparação do mundo em
sua manutenção permanente. Mais uma vez Nelson, falaram que o Pedro precisa de
ajuda. Tentei até gesticular em defesa do-estar-fora-do-mundo, ou que pelo
menos olhasse para o menino, mas quase não me deixaram falar. Talvez eu já
tivesse mesmo previsto, Nelson, e enquanto vinha pelo caminho lembrei que eu
não estudei ali naquela escola. Refleti intensamente a fim de chegar num porque
e logo lembrei que a mãe de um amigo agora metalúrgico-grafiteiro-quase-fora-do-mundo
me disse que ele não bancou estudar ali mais que dois dias.Nelson,venho pensando
que a pedagogia, em diversas ocasiões, é somente uma crença ideológica em um
mundo específico. Cada escola, com suas variações, é guardiã da ideologia de
seu mundo ao qual elas depositam as suas crenças. Tais ideologias guiam os
movimentos dos corpos que, aderentes ou não, tem de corresponder aos trajetos
que o mundo e a sua dança ideológica sugere. Pois bem Nelson, as professoras
sugeriram a fonodióloga e a psicóloga após, com muito custo, terem me deixado
falar. Elas realmente tinham crença no mundo ao qual eram portadoras (voz que
falava através de seus corpos) e talvez seja isso que as façam surdas ao
chamado do que está fora dele. No primeiro dia na escola, Pedro quis conhecer o
seu entorno (aquilo que iria circundar o seu corpo). Mas nunca Nelson, elas
imaginariam isso, claro, pois foram, mais uma vez, porta-vozes do mundo que
parece não ter ouvidos para a criança. Mas Nelson, elas se mostraram (na voz da
qual eram portadoras) assustadas, pois alegavam em favor da existência de um
padrão escolar – respectivo ao mundo – ao qual o Pedro devia se adequar o mais
breve. Disseram-me que conforme este padrão, uns ficam para trás e outros não.
É Nelson , me disseram isso mesmo e eu fiquei ali ouvindo a dura pena. Até tentei
expressar-me como quem convive mais tempo com o Pedro, dizendo de aproximações
genéticas e espirituais – entendimentos sobre o amor, a culpa e o acordo social
-, também sobre o serviço de criação do mesmo e que eu não me importava com
esta corrida mundana. Mas Nelson, minhas palavras foram inaudíveis e
silenciadas nas fendas de meu corpo. Não que eu tivesse voltado a minha crença
ao mundo, mas é que meu desejo mais intimo vem sonhando uma escola que
dignificasse o surgimento da criança. Penso para o Pedro uma escola
antroposófica ou algo do tipo sabe, não só pelas suas incomparáveis
características, mas também pela necessidade que se criou em nossas escolas dos
arredores e que parecem estar mais voltadas ao mundo do que às crianças.
Novamente disseram-me que o encaminhasse ao fonodiologo e a um psicólogo para
sociabilizá-lo à escola. Disseram-me Nelson, que é para evitar com que ele
sofra no mundo. Dentro de mim intui que o Pedro sofrer ou não, só dependeria de
nós, mas guardei isso para mim. Mesmo com tudo, pretendo correr com essas
coisas. Mas sabe Nelson, devo lhe confessar que cansei de sempre estar
acertando contas com o mundo. Desde quando percebi que a cada golpe que damos
recuamos para trás, aposentei minhas luvas de boxe. Resolvi perder o medo de
abraçar o mundo e, por mais que eu ainda desconfie dele, preferirei correr o
risco de operar junto dele em paralelo. Sinto que para inocular o seu
organismo, talvez esta dança sirva. É Nelson, não devemos nos preocupar muito
com o Pedro, pois sabemos que um pouco de ódio lhe fará bem. Por isso,
aceitemos a nossa realidade e as suas transformações para que a nossa vida
encontre meios benfazejos de persistência: algo melhor, se for preciso, irá
surgir em nossas vidas. Por enquanto creio que habitamos perto da origem sem
jamais abandonar o lugar. Por isso Nelson, somos imunes perante os males do
mundo, podendo transitar livremente. Só lhe tenho agradecimentos...
Etopéia
Descrição dos costumes e das
paixões humanas. Atos que revelem o imperceptível do ser sendo de sempre:
éhtos.
O caráter dos costumes morais.
Vem de morada, corpo: olhar uma planta crescendo e em seu talo ver o cosmos
deve ser isso. A equação antropofágica que vai do eu parte do Kosmos ao axioma
Kosmos parte do eu.
A atmosfera composta por atos-mágicos
serve apenas para alavancar ações delirantes que são motivos que suscitam relações
da vida prática e desperta. Dialetizar os devaneios despertos com as empreitadas
da vigília e trabalhar as potências dos surgimentos durante o ato.
Uma etografia que desenhe o que é
a criança em seus pactos éticos, costumes, percursos e manejos estéticos.
Como aprendemos sem sermos
ensinados (J. Holt & B.Perê).
Espaço sem a preparação adulta e
o adulto presente somente num gesto de observação radical. Repensar a posição
daquele que propõe algo: dramaturgo, pensador, educador ou o artista como um
mero catalisador no espaço. Só registrar tudo – escrita e imagens – no calor da
hora. Pouco importa quem toma conta para que tudo aconteça conforme o previsto:
o catalisador não está para isso, pois está aquém dos projetos pensados.
Tratado dos usos, costumes e
características das crianças. Trabalhobservação de seus hábitos, suas
acomodações às condições do ambiente para sentir reverberar os níveis máximos
da autonomia afim de que se tornem visíveis. Estar acerca das criatividades,
abstrações e soluções para que se tornem reparáveis. Saturar o como as crianças
fazem para superar desafios, como elas reagem e permanecem no espaço.
Habitar a dicotomia da palavra
reparável: aquilo que deve ser corrigido(ironia crítica ao desenvolvimento)
posto em tensão com aquilo que pode ser percebido, notado: aquilo que se pode e
se deve reparar. Apresentar as duas acepções do termo reparação.
Trata-se de um deserto, mas não
de deserção. As intervenções são mínimas para não tolher as iniciativas
primevas.
Desafio-etopeu > Capão
Pensando no fazer arte como o que nos faz agir além da
angústia que é estar aqui no mundo, descrever os costumes e paixões humanas da
primeira infância. Verificar o que é a criança no estar-aí da Fábrica de Cultura, estando como aquele que
participa do espaço e das coisas que o compõe, registrando as movenças, desejos
e vontades.
Trabalho provocador e Belo!!Promove alguns nós e desata outros!!Parabéns Bruno!!Estou no mundo como você dentro ou fora!!Abração!
ResponderExcluirAbraço claudio, vamos transitando mundos!
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