quinta-feira, 28 de abril de 2016

Manifeto carta



O amigo trouxe a carta de F. Deligny enviada a todos que nasceram sob o signo de escorpião.

Nela está denunciada a incompletude do zodíaco humano e a aranha é apresentada como o código de uma existência pautada na infinição - mas somente por não devotar-se ao infinito. A figura aracnídea apresenta um signo errado – sujeito apenas às errâncias – fora do projeto secundário e humanista. Logo, fazer uma imagem deve ser fazer ver o que não se olha no aparecimento da força e da importância dos gestos que habitualmente escapam à nossa atenção, situados na negatividade por conta de agitações inúteis e por isso desprovidas de sentido e que nos lançam a vibrações exacerbadas onde o ser se perde num sendo sem ser.
Mas nos resta saber, em intraresposta , se o ato de fazer ver é do ainda humano tonalizante e positivo. Enquanto hipotecamos os dramas que podem nos ter feito parar nisso que é distante da forma pura e para nada, MANIFESTAMOS:

          “A não violência e o não querer são da mesma obediência; trata-se de liberar o curso do agir ”  F.Deligny em “O Aracniano”

Atmosférica

Na indefinição vagamos: monstro do latim monstrare, aquilo que se mostra e se assanha. Os pensamentos nas brechas e nos cantos, estão sempre de frente para aquilo que não se olha, dando espaço para o que se dá fazer-se visto. A força por detrás dos atos e gestos não escapa à nossa atenção, porém, a essência é inobjetivante. Esse ser que está sendo alarga o comum em direção ao fora, aumentando o dentro e dando a sensação de que algo pode romper a qualquer momento. Não objetivamos os gestos a fim de conter nada, não podemos nem se quer representar por estarmos presentes somente à forma pura do para nada.

Iniciativa

Permanecer alocado nas agitações enigmáticas das crianças em todas as suas presenças invasivas. Estas agitações calcadas na ausência e na superpresença de si mesmas, que situam as relações e encontros fora do projeto coletivo e da vida humana normalizada. 

Imagens e sons que não contenham nenhum adulto. O adulto (já adulterado) se retira e com ele a demanda, a destreza, a injunção e a intenção. 

Tudo isso é substituído por coisas e pela disposição das crianças junto às coisas no espaço, suas organizações, escrúpulos e medidas nas áreas de estar: o que é estar ali sendo.

Fato-aforismo acerca de narciso: @ primeir@ human@ era ainda uma criança quando viu pela primeira vez o seu reflexo na água.

Por isso inoculou-se em nós uma espécie de Anti-humanismo prático que se despede do homem encostado numa imagem de pensamento pronta, dominadora e exclusivista por ser lisonjeira.

E nisso, bancar e acolher o intolerável, o feio e o estranho - espaços possíveis para o inescrupuloso.
Amor e carinho para acolher uma língua que se desdobra em memórias ancestrais do corpo antes da sua civilização, assim também como anteparar as memórias de futuro em devaneios que sugerem atos imprevistos: delírios e imagens inexistentes que são possibilidades ao por vir.   
  
As evidencias e legibilidades que autorizam e favorecem os atos iniciativos são descritos em traços que não nomeiam nem interpretam. A construção do sujeito é negada para esticar o que se entende por individualidade, mas sem ceder ao apagamento massivo.   

O organismo do errar assemelha-se com uma folha seca ao vento.

Estar junto apenas dos trajetos e das constelações dos agires sem intenção. 

Às iniciativas e seus lentos acontecimentos.

Para isso não a nada a fazer além de deixar que a criança aconteça e que a rede que compõe os acontecimentos-criança se faça. 

Uma gota de água sugere mil facetas: estar na orbita das miragens.

Elenco de todos os impedimentos naturais e impostos, propondo revisões nas sensibilidades, estando sempre abertos a ocupações de diferentes formas: ensejo espacial e não temporal (ritmanálise).   
Espaço é o encontro para que o inato se dê sem tolhimentos.

À ordem própria dos viventes sem interferências e arrombamentos.

Como formular o projeto de sair de todo projeto?

Estar num espaço não de existir, mas de persistir num fazer que não é fazer por ser desprovido de todo para, estando situados num contraponto às sobrecargas de projetos e conteúdos não assimiláveis das instituições de formação cultural/escolar. 

É algo bem próximo ao CRELAZER de H. Oiticica.

E situados entre os ritmos do agir silencioso, sem querer e sem consciência, caminhamos ao lado do que surge a partir das perguntas:

COM QUANTOS ANOS SE TEM A NOÇÃO-ANGÚSTIA DE ESTAR NO MUNDO?

A CRIANÇA TEM ESTA ANGÚSTIA-NOÇÃO?





1ª Carta


Descobri que as pessoas dançam
Aquelas amáveis que vieram junto à visita que é estar aqui

Às imunidades da fonte:
 perto da origem não abandonamos o lugar


2ª carta



Nelson,

hoje mais uma vez o mundo repetiu-se e dessa vez era eu que estava esperando hesitante na porta. Embora eu tenha, poucas vezes, engatado a entrada no mundo, na maioria delas sempre tive que recuar. Hoje mais uma vez levei o Pedro para a escola e a sua professora foi a porta-voz da repetição. Sinto (e isso foi o que apreendi hoje) que o mundo se reinstaura a partir destas repetições cotidianas, atuando como micro-traumas que rejuntam e moldam o nosso cérebro. Essas formatações que regulam as percepções do Real, assim como a realidade, parecem ser a reparação do mundo em sua manutenção permanente. Mais uma vez Nelson, falaram que o Pedro precisa de ajuda. Tentei até gesticular em defesa do-estar-fora-do-mundo, ou que pelo menos olhasse para o menino, mas quase não me deixaram falar. Talvez eu já tivesse mesmo previsto, Nelson, e enquanto vinha pelo caminho lembrei que eu não estudei ali naquela escola. Refleti intensamente a fim de chegar num porque e logo lembrei que a mãe de um amigo agora metalúrgico-grafiteiro-quase-fora-do-mundo me disse que ele não bancou estudar ali mais que dois dias.Nelson,venho pensando que a pedagogia, em diversas ocasiões, é somente uma crença ideológica em um mundo específico. Cada escola, com suas variações, é guardiã da ideologia de seu mundo ao qual elas depositam as suas crenças. Tais ideologias guiam os movimentos dos corpos que, aderentes ou não, tem de corresponder aos trajetos que o mundo e a sua dança ideológica sugere. Pois bem Nelson, as professoras sugeriram a fonodióloga e a psicóloga após, com muito custo, terem me deixado falar. Elas realmente tinham crença no mundo ao qual eram portadoras (voz que falava através de seus corpos) e talvez seja isso que as façam surdas ao chamado do que está fora dele. No primeiro dia na escola, Pedro quis conhecer o seu entorno (aquilo que iria circundar o seu corpo). Mas nunca Nelson, elas imaginariam isso, claro, pois foram, mais uma vez, porta-vozes do mundo que parece não ter ouvidos para a criança. Mas Nelson, elas se mostraram (na voz da qual eram portadoras) assustadas, pois alegavam em favor da existência de um padrão escolar – respectivo ao mundo – ao qual o Pedro devia se adequar o mais breve. Disseram-me que conforme este padrão, uns ficam para trás e outros não. É Nelson , me disseram isso mesmo e eu fiquei ali ouvindo a dura pena. Até tentei expressar-me como quem convive mais tempo com o Pedro, dizendo de aproximações genéticas e espirituais – entendimentos sobre o amor, a culpa e o acordo social -, também sobre o serviço de criação do mesmo e que eu não me importava com esta corrida mundana. Mas Nelson, minhas palavras foram inaudíveis e silenciadas nas fendas de meu corpo. Não que eu tivesse voltado a minha crença ao mundo, mas é que meu desejo mais intimo vem sonhando uma escola que dignificasse o surgimento da criança. Penso para o Pedro uma escola antroposófica ou algo do tipo sabe, não só pelas suas incomparáveis características, mas também pela necessidade que se criou em nossas escolas dos arredores e que parecem estar mais voltadas ao mundo do que às crianças. Novamente disseram-me que o encaminhasse ao fonodiologo e a um psicólogo para sociabilizá-lo à escola. Disseram-me Nelson, que é para evitar com que ele sofra no mundo. Dentro de mim intui que o Pedro sofrer ou não, só dependeria de nós, mas guardei isso para mim. Mesmo com tudo, pretendo correr com essas coisas. Mas sabe Nelson, devo lhe confessar que cansei de sempre estar acertando contas com o mundo. Desde quando percebi que a cada golpe que damos recuamos para trás, aposentei minhas luvas de boxe. Resolvi perder o medo de abraçar o mundo e, por mais que eu ainda desconfie dele, preferirei correr o risco de operar junto dele em paralelo. Sinto que para inocular o seu organismo, talvez esta dança sirva. É Nelson, não devemos nos preocupar muito com o Pedro, pois sabemos que um pouco de ódio lhe fará bem. Por isso, aceitemos a nossa realidade e as suas transformações para que a nossa vida encontre meios benfazejos de persistência: algo melhor, se for preciso, irá surgir em nossas vidas. Por enquanto creio que habitamos perto da origem sem jamais abandonar o lugar. Por isso Nelson, somos imunes perante os males do mundo, podendo transitar livremente. Só lhe tenho agradecimentos...     


Etopéia 


Descrição dos costumes e das paixões humanas. Atos que revelem o imperceptível do ser sendo de sempre: éhtos.

O caráter dos costumes morais. Vem de morada, corpo: olhar uma planta crescendo e em seu talo ver o cosmos deve ser isso. A equação antropofágica que vai do eu parte do Kosmos ao axioma Kosmos parte do eu.

A atmosfera composta por atos-mágicos serve apenas para alavancar ações delirantes que são motivos que suscitam relações da vida prática e desperta. Dialetizar os devaneios despertos com as empreitadas da vigília e trabalhar as potências dos surgimentos durante o ato.    

Uma etografia que desenhe o que é a criança em seus pactos éticos, costumes, percursos e manejos estéticos.

Como aprendemos sem sermos ensinados (J. Holt & B.Perê). 

Espaço sem a preparação adulta e o adulto presente somente num gesto de observação radical. Repensar a posição daquele que propõe algo: dramaturgo, pensador, educador ou o artista como um mero catalisador no espaço. Só registrar tudo – escrita e imagens – no calor da hora. Pouco importa quem toma conta para que tudo aconteça conforme o previsto: o catalisador não está para isso, pois está aquém dos projetos pensados. 

Tratado dos usos, costumes e características das crianças. Trabalhobservação de seus hábitos, suas acomodações às condições do ambiente para sentir reverberar os níveis máximos da autonomia afim de que se tornem visíveis. Estar acerca das criatividades, abstrações e soluções para que se tornem reparáveis. Saturar o como as crianças fazem para superar desafios, como elas reagem e permanecem no espaço.

Habitar a dicotomia da palavra reparável: aquilo que deve ser corrigido(ironia crítica ao desenvolvimento) posto em tensão com aquilo que pode ser percebido, notado: aquilo que se pode e se deve reparar. Apresentar as duas acepções do termo reparação.

Trata-se de um deserto, mas não de deserção. As intervenções são mínimas para não tolher as iniciativas primevas.

Desafio-etopeu > Capão

Pensando no fazer arte como o que nos faz agir além da angústia que é estar aqui no mundo, descrever os costumes e paixões humanas da primeira infância. Verificar o que é a criança no estar-aí  da Fábrica de Cultura, estando como aquele que participa do espaço e das coisas que o compõe, registrando as movenças, desejos e vontades.   












  


2 comentários:

  1. Trabalho provocador e Belo!!Promove alguns nós e desata outros!!Parabéns Bruno!!Estou no mundo como você dentro ou fora!!Abração!

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