quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Tratado do rasgo



vagão : vago, vazio = incerteza do nosso tempo muitas vezes chamada de vazio.



Ah Juliano Pessanha e Teruo, que saltaram e se abrigaram no antes da partida, eu compreendi a raiz da minha dor sofrida em mim mesmo e senti no próprio corpo o apagamento do brilho e a aniquilação da intensidade e me tornei o que sou.
A simplicidade de minha tarefa se resume em transitar por estes vagões, no entre das coisas e em todas as cabines e compartimentos pergunto a cada um que encontro: você não tem saudade de ir para o lugar fora do trem? de quão longe você vem? quando você era ainda uma criança, em que espaço você estava? você não gostaria de rememorar como eram as coisas antes do embarque?
Vou na direção contrária dos mensageiros do nada que ao invés de rasgar as paredes deste vagão, só às decoram com imagens mortas e textos competentes. ESTOU PROTEGIDO E ABRIGADO NO ESTRANHAMENTO, estou exilado e sinto falta de lugar pois a dor própria do meu abrigo comunica que nós não pertencemos ao espaço comedido e saturado do interior deste trem. Estou num lugar de passagem e este não que digo para este lugar medido, diz um sim para uma outra pertença - um lugar aberto e sem medidas onde a jovialidade e a celebração podem acontecer.
Este lugar é passagem, é desejo de partir, pois experimentei até o fundo e rasguei a argamassa metálica desse "VAGÃO". Estou sentado num formigueiro da incandescência, no cometa onde a criança enlouquece de lucidez. Com minha cabeça de Jano olho para dentro desse trem que começa a sair do solo rumo a imortalidade biológica e meu olho da nuca olha para um pedaço de praia onde uma criança acaba de levantar os braços comemorando sua primeira aparição frente ao mar. Dizer o que sinto, dilacerado entre estes dois mundos - um adulto, rodeado de palavras por todos os lados e plantado direto no logos e destituído de qualquer experiência, e outro, da criança habitante real - é a minha posição atual, posição ambígua e difícil, de espião de umbral.

Se faz necessário imaginar um alfandegário da última fronteira e formular-lhe a seguinte pergunta: " Mas como é que passam por aqui os que por aqui passam?
E ouvir a seguinte resposta:"Passam sempre conduzidos pela dor, pois os que vêm do aberto, quando precisam circular no vagão, TÊM DE VESTIR UMA MASCARA QUE OS IMPEDE DE RESPIRAR, e os normalizados do trem, quando se dirigem para o simples, têm de deixar no vagão todo o uniforme da sua identidade. Eles só passam para lá nus".

Tudo isso caiu quando descobri que só tenho o olho da nuca e só sei enxergar com ele.
Sou um poeta OBSCURO

Mas tenho que transitar e voltar e criar um olho na frente - ai está o sintoma de minha patologia, eis minha doença, meu distúrbio dicotômico? - que me faça conversar com os homens sentados no compartimento, cujo corpo já mimetizaram a blindagem do trem e cujo o olho hipnotizado só consegue olhar para frente. Faço a mediação entre estes dois idiomas intraduzíveis; Dai o caráter trágico de minha situação, transcende-la e estar no iminente tranquiliza e anestesia este drama.
Sento no compartimento desse trem munido de minha máscara respiratória, que pode ser meu rótulo e minha identidade imaginária, e indago ao companheiro do lado: "Ei moço, ei senhor, mas como pode ser tão grande o apelo deste trem?". "O senhor não está percebendo que está incômodo por aqui?"

Se esses homens cutucados não experimentam com toda transparência o pavor e o horror pelo interior deste trem, é porque seu olho de trás dorme e está atrofiado.
Então eu num grito evoco a nostalgia e o pressentimento adormecidos neste homem e executo minha tarefa, acordo e aumento seu olho da nuca.
Eu posso fazer isso por que sou mensageiro e minha palavra mesmo que dita no interior do trem, foi colhida fora, num lugar sem arranjos onde a única medida é a amizade pelas coisas e pelos outros.

Este lugar não é produto de uma imaginação utópica, mas para onde somos arrastados sempre e quando o regime da aparência, regime do vagão - do "vago" - dá lugar à vibração do surgimento.

Um texto pode se tornar texto se ele for o idioma íntimo do destino de seu autor.





valeu Jerry Batista,Chiu, Macalão e todos que colaram nas Reflexões do burro no colativo 132
toda segunda terça-feira do mês rola, só colar.
Rua nilo 132, próx. ao Metrô Vergueiro
http://coletivo132.wordpress.com/
muito obrigado!

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