sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Estudo de cosmicidade: “o que temos de planta”



Para adentrar este universo onde sondei por dois anos a pergunta “o que o homem tem de planta”, é preciso antes lembrar-se do que escreveu Juliano Garcia Pessanha sobre o ato da escrita. Ele escreve que um texto só pode se tornar texto se ele for a expressão e o idioma íntimo do destino de seu autor.

Foi quando compunha desenhos para um livro coletivo de poemas intitulado “Eu Evo”, em 2010, que cheguei por acaso nisso que apresento aqui. Por me apaixonar pelo resultado estético dos desenhos, fui levado a prosseguir e, quando me olhei e me vi naquilo que estava se inscrevendo em mim, senti que o trabalho ia além de um ensaio artístico. O que se apresentava era uma pesquisa semiótica que me dava a oportunidade de navegar e verificar através do manejo do desenho, da pintura, colagem e gravura, as semelhanças entre a anatomia humana e a vegetal. Nisso, pude apalpar, através destes aforismos, questões sobre comunicação, biologia, psiquismo humano e vegetal, relacionando-os de maneira interdisciplinar, livre e poética. 

Tudo que apresento aqui não é reflexo de minha criação nem de minha imaginação, e sim, fazem parte de uma colheita - são relatos de uma experiência. Tentei por diversas vezes abandonar este trabalho e a cada vez que eu fracassava nessa tentativa, angariava mais recursos que me fascinavam e me faziam prosseguir. Talvez o fato de eu ter crescido vendo minha avó e minha bisavó mexendo nos jardins de casa, e o contato com as benzedeiras na infância, tenham me levado a lidar com essas inquietações. Talvez exista uma razão ancestral e inacessível que me fez permanecer e atender a isso que me ultrapassa.

Encaro o desenho e a escrita como formas de desígnio – palavra que dá origem a palavra desenho, derivada do latim designare (decifrar as estrelas). Seria muito afirmar que consegui aqui sugerir um destino aos homens, mesmo crendo que isso é o mínimo para quem pretende apresentar algo. Porém, sinto que a reunião desse processo reafirma a precisão de uma nova taxionomia embasada na criatividade poética, e uma maior atenção aos recursos bioenergéticos para fins terapêuticos e medicinais. Esta agonia em estado de ser sugere, no mínimo, uma reconciliação, tentando recriar com isso uma relação incestuosa com as plantas e vegetais.

Foi na tentativa de ver o que surge e arregimentar novos caminhos, saltos e assuntos, ou quem sabe, juntar vizinhos e parceiros para essa caminhada, que resolvi atender as demandas internas e externas que me fizeram partilhar isso que se constelou a fim de ser olhado. Para onde vou, não sei, a única coisa que trago é o comunicado de um prazer e a abertura de uma conversa.





Ato de cosmicidade:



1 – verificar em loco o que tenho de planta

2 - curativo: revitalizar os chacras com forças bioenergéticas – plantas e terra: energias terríveis/libido/élan vital/ temperança

3 – “tempo sagrado” – uma espécie de presente mítico eterno, periodicidade: reintegração por meio de ritos – vertedor no dia a dia – aproveitar o momento da mostra para apresentar esta sugestão-desejo – arte: algo útil para si e para os outros. O espaço me faz silencioso

4 – mostrar uma possibilidade terapêutica, contato bioenergético, glúten da água, sangue do leão e o ovo filosofal – do simbolismo: é impessoal e abstrato encarar e oferecer uma situação do ponto de vista da eternidade

5 – ser mofo e musgo: calor e umidade – aqui a energia experimentada se revela numa corrente vital e passa por uma transformação tornando-se um recipiente onde passa o fluído do ser único: debaixo da terra tem água em abundância – supero esta contradição – uno (ver líquen)

6 – me realizo nessa ventura ao mundo sagrado que sempre vislumbrei desde antes, para que no futuro, em épocas de desligamento, nunca me sinta despojado, pois experimentei no fundo de mim mesmo o som das águas que batizaram meus primeiros cuidados no ponto mais forte de minha energia criativa

7 – registro / inscrição: para que eu possa carregar como um amuleto e que para esse amuleto seja encontrado por quem vier depois – vizinhos, filhos e netos – quiçá isso sirva: amuletos rupestres, Venus, bisão, monólito e totem


"Botânica poética e a agonia em estado de ser: observar o vivo no vivo e jamais o contrário"


Parto da premissa de que o crescimento e a difusão do conhecimento equivalem a um progresso real. Por isso, jamais posso excluir uma coisa da outra, como vem sendo feito pelos hipercientificistas que se apegam ao enciclopedismo e excluem o conhecimento dos “iluminados”, se apegam a teosofia e excluem o esoterismo. O conhecimento não pode ficar restrito a um tipo de abordagem que monopoliza e dissemina um tipo de saber monopolizado. É justamente muito estranho que esteja somente nas mãos de homens tão mortos como os químicos e biólogos taxionomistas/enciclopedistas que pretendem a análise de cadáveres, os cuidados que dizem respeito aos fenômenos mais sagrados e encantadores da natureza.

Somente uma pesquisa poética – no sentido original do termo -, pode agir sem excluir a imaginação e a criatividade dos meios que buscam o conhecimento. Parece que somente os poetas – ou quem siga seus encalços - poderiam ocupar-se dos líquidos e dos tecidos naturais. É somente através deles que a juventude deveria ouvir falar de tais questões. Só assim os laboratórios seriam templos de uma observação criadora de novos caminhos que se divergiriam da histeria dos rastreadores da substância, que mapeiam tudo sob um radar materialista.

Esse caminho talvez seja um retorno imediato àquilo que foi abandonado por essa ciência estéril, resgatando vida e sexo nas plantas e em toda substância viva. Só assim nós honraríamos, com um novo amor, as chamas e as águas que tecem as matérias. Isso sim, seria motivo de glorificarmo-nos, pois do contrário, só o desprezo, na mesma medida em que a morte merece, seria nosso destino. 

Manifesto acerca de Novalis


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